sexta-feira, 17 de julho de 2015

Panamá e Nicarágua, dois canais e um sonho novamente compartilhado.
As novas eclusas do Canal do Panamá contam com tecnologia radicalmente superior às construídas há cem anos, e suas comportas são rodantes e não com dobradiças. Na foto, um dos operários na câmara do canal ampliado em Cocolí, na costa do Oceano Pacífico. Foto: Iralís Fragiel/IPS.

Por Iralís Fragiel, IPS – 

Cidade do Panamá, Panamá, 30/6/2015 – Nicholas Suchecki Guillén é cego. Mas, para ele, era um sonho conhecer a ampliação do Canal do Panamá. Tocar a câmara de concreto e ser parte da nova história de seu país. Seus pés se apoiaram sobre o terceiro jogo de eclusas em Cocolí, na costa do Oceano Pacífico. Ele teve o privilégio de integrar o último grupo que pôde visitar o complexo antes de começar sua inundação, um longo processo que nesse lado começou no dia 22 deste mês.

Assim como esse garoto de 11 anos, muitos panamenhos visitaram gratuitamente as novas eclusas, com visitas promovidas pela Autoridade do Canal do Panamá (ACP), órgão estatal que dirige a via interoceânica desde que foi devolvida pelos Estados Unidos, em 1999.

“É um orgulho ver o que fizemos. Quando foram construídas as primeiras eclusas, participaram 222 panamenhos. Agora foram 36.276”, afirmou à IPS o engenheiro Luis Ferreira, porta-voz da ACP. A ampliação também representa uma promessa de crescimento econômico. “O dinheiro arrecadado com o Canal foi superior a US$ 9 bilhões entre 2000 e 2014. Com as novas eclusas, se prevê que possa chegar a US$ 3 bilhões por ano”, acrescentou.

A obra, que neste final de mês já completou 89,8%, exigiu investimento de US$ 5,25 bilhões e começou no dia 3 de setembro de 2007. Seu funcionamento comercial será ativado no primeiro trimestre de 2016. Com esse megaprojeto, o Panamá espera aumentar o trânsito diário dos atuais 35 a 40 navios para 48 a 51 embarcações. O novo canal também permitirá a circulação de navios de maior capacidade.
Início do enchimento das novas eclusas do ampliado Canal do Panamá, em Cocolí, na costa do Oceano Pacífico. A monumental obra já está 90% pronta e entrará em operação no começo de 2016. Foto: Cortesia da Autoridade do Canal do Panamá.

Atualmente, passam pelo Canal embarcações que podem transportar até cinco mil toneladas e, com a ampliação, os chamados navios NeoPanamax poderão carregar até 13 mil toneladas. As novas eclusas têm 427 metros de comprimento e funcionarão com 16 comportas rodantes. O emblemático prédio do Empire State, de Nova York, caberia deitado, incluindo sua antena, no canal ampliado.

Cada navio utiliza em sua passagem cerca de 197 milhões de litros de água doce procedentes do lago Gatún. Com as novas eclusas, foi criado um sistema que permite economizar ao menos 7% do recurso, mediante recipientes de reutilização que reciclarão a água três vezes antes de despejá-la no mar.

Porém, nem tudo é positivo. Para Marco Gandásegui, sociólogo e professor da Universidade do Panamá, a arrecadação proveniente do Canal não é aproveitada para um desenvolvimento com inclusão social neste país de 3,8 milhões de pessoas, e teme que o mesmo aconteça com sua ampliação. “Há grande preocupação quanto a que a ampliação do canal sirva à marinha mercante e não às pessoas”, afirmou à IPS.

Segundo Gandásegui, “os que nos governam não estabeleceram um plano de desenvolvimento nacional e algumas localidades nem mesmo têm água potável. Desde 2000, foram arrecadados US$ 25 bilhões e se desconhece como foram investidos”. O professor deu como exemplo do déficit de desenvolvimento criado pelo dinheiro obtido com o canal o fato de apenas 40% da força de trabalho panamenha ter emprego formal, enquanto 60% atua no setor informal. “Temos uma estrutura social que poderia ser mudada com essa enorme riqueza gerada pelo Canal”, ressaltou.
Nicholas Suchecki Guillén, menino cego de 11 anos, concretizando seu sonho de tocar as eclusas da ampliação do Canal do Panamá, no complexo de Cocolí, na costa do Oceano Pacífico, no dia 25 deste mês, durante a última visita permitida antes de começar o enchimento da monumental obra. Foto: Iralís Fragiel/IPS.

A União de Práticos do Canal do Panamá realiza protestos desde 2014 diante da ACP por sua gestão da obra. O último foi no dia 3 deste mês, quando também denunciou, em um comunicado, que o processo “sofreu tropeço após tropeço”, com “custos adicionais, improvisos e atrasos”. O maior contratempo durante a construção foi registrado em 2014, quando em fevereiro o consórcio encarregado da obra, o Grupo Unidos pelo Canal (GUPC), paralisou os trabalhos por 15 dias, porque a ACP rejeitou assumir alegados aumentos nos custos.

Segundo dados da ACP, atualmente as reclamações por custos adicionais do GUPS, liderado pela construtora espanhola Sacyr Vallehermoso, totalizam US$ 2,337 bilhões e estão em processo de resolução por uma junta especial. A primeira dessas reclamações resolvidas foi de US$ 463 milhões de custo adicional, pela menor qualidade do basalto fornecido por uma mina local. A ACP informou que reconheceu apenas US$ 233 milhões.

Outra sombra que paira sobre a ampliação do Canal é o projeto de construção do Canal da Nicarágua, que forçará o Panamá a se mover em um novo xadrez marítimo. Nicarágua e Panamá têm uma história compartilhada com o Canal. David McCullough conta em seu livro Um Caminho Entre Dois Mares que o primeiro estudo sobre a construção do canal surgiu em 1811 e designava a Nicarágua com “a rota com menos dificuldades”. E acrescenta que, inicialmente, se propunha a entrada do canal pela desembocadura do nicaraguense rio San Juan, porque “atravessar pelo Panamá era mais curto, mas o da Nicarágua estava mais próximo dos Estados Unidos”.

Os estudos técnicos determinaram que o Panamá era o lugar ideal. Os franceses já haviam escavado um caminho para construí-lo, embora o projeto tenha fracassado. O presidente norte-americano Theodore Roosevelt inclinou-se, em 1903, pelo Panamá e com esse fim apoiou a separação de seu território da Colômbia. Em 1914, terminou a construção da via interoceânica, que ficou sob controle militar até que a assinatura dos tratados Torrijos-Carter estabeleceram, em 1977, sua devolução no último dia do século 20.

“Minha opinião é que os nicaraguenses percebem que o desenvolvimento de seu país foi truncado quando os Estados Unidos escolheram o rio Chagres, no Panamá, para fazer o canal. É a sombra de um sonho não realizado”, disse à IPS o antropólogo Stanley Heckadon. Mas, de 1811 até agora, as coisas mudaram. E a rota do rio San Juan se desfez, possivelmente pelas implicações políticas, por se tratar de um rio binacional, compartilhado com a Costa Rica. “Ao não escolher a rota do rio San Juan, cuidado, o sonho da Nicarágua se torna irrealizável”, alertou.

O antropólogo participou em março de um encontro de 15 especialistas de alto nível, convocado pela Universidade da Flórida, em Miami, nos Estados Unidos, para avaliar o impacto ambiental do traçado nicaraguense, quando foi alertado sobre o irreparável dano à biodiversidade e aos corpos de água do país.

Heckadon explicou que o painel considerou muito inconveniente o fato de a rota escolhida ser a do rio de Punta Gorda, muito mais larga do que a do San Juan. O investimento no projeto da Nicarágua é de US$ 50 bilhões, dez vezes mais do que o custo da ampliação do canal panamenho.

O canal nicaraguense será significativamente mais longo do que o do Panamá, “que tem 80 quilômetros. O da Nicarágua pretende ter 280 quilômetros. No Panamá um barco demora de dez a 12 horas para ir do Pacífico ao Atlântico ou vice-versa, e na Nicarágua demorará de dois a três dias”, afirmou Ferreira, da ACP. Porém, tanto Ferreira quanto Gadásegui coincidem em ver de maneira positiva a construção de um canal na Nicarágua, pois “há mercado para todos”.

Impacto irreversível

Stanley Heckadon assegurou que os impactos na Nicarágua da rota selecionada serão “monumentais” no aspecto ambiental e, se a gigantesca obra for concretizada, se estará jogando com o futuro de sua população. Da reunião em Miami participaram representantes do consórcio chinês Hong Kong Nicaragua Development (HKND), concessionário do projeto, e da empresa responsável pelo estudo de impacto ambiental, a Environmental Resources Management, mas a informação apresentada foi considerada insuficiente pelo painel.

O controle dos dados, o estudo ambiental ter sido feito em apenas um ano e meio, as curtas observações sobre a biodiversidade e os planos insuficientes para restaurar as bacias afetadas, entre outros aspectos, foram fatores de alarme para os especialistas. “A parte hidrológica era um dos grandes vazios de informação. O que acontecerá se dentro de cinco anos tivermos uma grande seca? O lago da Nicarágua (Cocibolca) é o maior lago de água doce da América Central e do qual depende uma grande quantidade de pessoas”, advertiu Heckadon.

O antropólogo recordou que a rota nicaraguense passará por cinco áreas protegidas de biodiversidade do Corredor Biológico Mesoamericano. “Além disso, não há informação sobre minorias indígenas e comunidades negras. Saímos preocupados, com mais dúvidas do que respostas”, ressaltou.


Fonte: ENVOLVERDE

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