quarta-feira, 8 de julho de 2015

Rádio é salva-vidas para esquecida região agrícola da Índia.
A Rádio Bundelkhand, do centro da Índia, tem cerca de 250 mil ouvintes, dos quais 99% são agricultores. Foto: Stella Paul/IPS.

Por Stella Paul, da IPS –

Tikamgarh, Índia, 23/6/2015 – “Por favor, cante uma canção para nós”, pede uma mulher, com um gravador nas mãos, para Chanabai Kushwaha, de 80 anos, que está sentada em um catre sob uma árvore de nim, na aldeia de Chitawar, centro da Índia. Olhando fixamente o aparelho, Kushwaha entoa uma melancólica melodia sobre uma menina de oito anos que pede ao seu pai que não a entregue em casamento.

“Muito obrigado por cantar para a Rádio Bundelkhand”, agradece Ekta Kari, jornalista e produtora dessa rádio comunitária do distrito de Tikamgarh, predominantemente rural, no Estado de Madhya Pradesh, onde fica Chitawar. Com cerca de 250 mil ouvintes na dezena de povoados que formam Bundelkhand, uma região agrícola entre dois Estados, Madhya Pradesh e Uttar Pradesh, a emissora ajuda as comunidades mais atrasadas, elevando suas vozes e levando boas ondas a uma área acostumada a receber más notícias.

Cerca de 18,3 milhões de pessoas ocupam essa vasta região. Segundo a Comissão de Planejamento da Índia, a perda de fertilidade do solo, devido à variabilidade climática somada ao grave esgotamento das águas subterrâneas, tornou a vida extremamente difícil para os que trabalham a terra. A perda de cultivos por chuvas durante a seca e pelas ondas de calor recorrentes se tornou habitual na década passada. A maioria dos agricultores perdeu metade de seus cultivos de inverno por causa de fortes chuvas inesperadas.

As secas recorrentes entre 2003 e 2010 obrigaram muitos deles a abandonar o cultivo de milho e legumes, e optar por monoculturas como o trigo, que exige muitos insumos. Organizações não governamentais também apontam a desigualdade nas políticas de distribuição de terras como uma das principais causas da luta dos agricultores, o que faz com que milhões de famílias não possam se dedicar a outra coisa que não seja a agricultura de subsistência, devido ao diminuto tamanho de seus terrenos.

Os graves problemas, inclusive, levaram muitos a jogar a toalha. Nas duas primeiras semanas de março deste ano uma dezena de agricultores de Bundelkhand se suicidaram, o que ressalta o desespero em que vivem essas comunidades rurais. Segundo o Escritório de Registro de Delitos, três mil agricultores se suicidaram em Bundelkhand entre 1995 e 2012.

É uma pequena proporção com relação a todos os suicídios que houve no cinturão agrícola da Índia, cerca de 300 mil, embora a de Bundelkhand não seja uma cifra menor. Devido à crua realidade, pode ser que seja difícil para um estranho compreender como a simples intervenção de uma rádio comunitária pode fazer alguma diferença.

Naheda Yusuf, gerente de programa da Alternativas de Desenvolvimento, uma organização de mídia sem fins lucrativos, com sede em Nova Délhi, e que ajudou a lançar a Rádio Bundelkhand em 2008, disse à IPS que 99% dos ouvintes são agricultores. As aldeias podem pertencer a diferentes Estados, mas todas estão na região de Bundelkhand e compartilham a cultura, as tradições e o dialeto.

“A rádio é de, e para, as pessoas da região”, explicou Yusuf. “Conecta-se com eles no dialeto bundeli e oferece informação sobre questões de seu interesse”, acrescentou. Cerca de 75% dos programas são dedicados a temas agrários, como técnicas agrícolas, controle de pesticidas, preços do mercado, previsões para o clima e atualizações sobre a mudança climática.

Parte da informação procede de fontes governamentais, como os departamentos de agricultura e meteorologia, mas a maioria surge de seis jornalistas-produtores que se relacionam diretamente com a comunidade para coletar notícias e as perspectivas mais relevantes para seus ouvintes. Cada um tem um programa diário, nos quais pede à audiência que se comunique com eles, apresente dúvidas e faça comentários.

Um dos programas mais populares é o Shuv Kal (Boa Manhã), dedicado à mudança climática e às suas consequências nas comunidades agrícolas. A produtora Gauri Sharma explicou que os temas tratam de acesso à água, desmatamento e energia solar. Também homenageiam o rio Betwa, tributário do Yamuna, que irriga essas terras e impulsiona os agricultores a não desperdiçar o precioso líquido. “Além disso, conscientizamos sobre as energias renováveis”, acrescentou.

A resposta da audiência é animadora, disse Sharma, especialmente entre jovens que telefonam e nos escrevem para dizer como a rádio os ajuda a melhorar. Um rapaz de 18 anos da aldeia de Tafarian lhes contou que havia plantado 22 árvores frutíferas, deixou de usar polietileno e começou com a lombricultura graças ao programa de rádio.

Jayanti Bai, da aldeia de Waswan, contou que a rádio salvou seu cultivo. “As folhas das minhas plantas de quiabo estavam ficando amarelas. Então, ouvi na rádio sobre um remédio para esse problema, que usei e me salvou”, afirmou. Agora ele quer comprar um aparelho de rádio para toda a comunidade e pendurá-lo em uma árvore, assim as mulheres poderão ouvir juntas. Mas terão que economizar, porque o mais popular custa cerca de mil rúpias (US$ 15), o que é mais do que ele pode custear de uma só vez.

Nessa região, onde os apagões duram entre oito e dez horas e apenas 48% das mulheres e 70% dos homens sabem ler e escrever, a rádio é uma opção muito melhor do que a televisão ou os jornais. Por ser portátil, é uma opção muito mais atraente, disseram à IPS, já que pode estar com ele enquanto trabalham.

A emissora tem uma audiência majoritariamente feminina e por isso apresenta assuntos relevantes para elas, como a questão do suicídio, que muitas veem como um problema masculino. “Alguém já ouviu sobre uma camponesa que tenha se suicidado?”, perguntou Ramkumari Napet, de 46 anos e moradora na aldeia de Baswan. “É porque ela pensa o seguinte: o que acontecerá com meus filhos se eu morrer?, e isso a detém”, explicou.

As mulheres afirmam que os homens precisam de mais ajuda para entender sua relação com elas e com suas famílias. E, de fato, a rádio os ajuda a definir essas linhas difusas. “Há pouco tempo, uma pessoa telefonou dizendo que seu irmão pensava em se suicidar”, contou Sharma à IPS. “O ouvinte disse que trataria de dissuadi-lo da ideia”, acrescentou.


Fonte: ENVOLVERDE

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