quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Francisco, política partidária e bem comum.
Papa é aplaudido de pé pelos dois lados da divisão partidária norte-americana, após discurso no Congresso dos Estados Unidos. Foto: Câmara de Representantes dos Estados Unidos.

Por Andrew Hanauer e Eric LeCompte*

Washington, Estados Unidos, 28/9/2015 – O papa Francisco passou duas mensagens muito fortes em seu discurso no Congresso dos Estados Unidos, no dia 24: trabalhemos juntos e protejamos os mais vulneráveis. Essas palavras são relativamente pouco controversas. As duas mensagens receberam ovações de pé dos dois lados da divisão partidária, o tipo de ovação que raramente é dirigida aos presidentes dos Estados Unidos, em seus discursos sobre o estado da União a cada ano.

O papa, o primeiro de origem latino-americana, defendeu com eloquência a importância de estender pontes. “Pode-se gerar uma tentação à qual devemos prestar especial atenção: o reducionismo simplista que divide a realidade em bons e maus, permitam-me usar a expressão, em justos e pecadores”, pontuou o papa. “O mundo contemporâneo com suas feridas, que sangram em tantos irmãos nossos, nos convoca a enfrentar todas as polarizações que pretendem dividi-lo em dois lados. Sabemos que, no afã de querer se liberar do inimigo externo, podemos cair na tentação de ir  alimentando o inimigo interno”, prosseguiu.

Essa é uma declaração importante em Washington, uma cidade presa da paralisação político-partidária, e em meio a uma campanha presidencial pouco conhecida por seu civismo. Francisco lamentou que tanta gente viva na “armadilha da pobreza” e afirmou que “a luta contra a pobreza e a fome deve ser travada constantemente, em suas muitas frentes, especialmente nas causas que as provocam”.

É tentador dividir essas duas mensagens – trabalhar juntos, ajudar os necessitados – em duas coisas separadas, dois elementos fáceis de marcar na lista de tarefas pendentes da sociedade. Seja bom. Ajude os demais. Mas este papa estava dizendo muito mais. A mensagem de Francisco é que, se não trabalharmos juntos, não poderemos ajudar as pessoas vulneráveis. Que todos e cada um de nós deve contribuir para um mundo construído sobre “esperança e reconciliação, de paz e de justiça”.

“O crescimento que temos de enfrentar hoje nos pede uma renovação do espírito de colaboração”, apontou o papa. Fazer o bem aos demais não é só algo bom, mas é nosso dever moral, porque os mais vulneráveis contam conosco. O papa não deixa dúvidas sobre os desafios que enfrentamos. A pobreza e a desigualdade lideram a lista. Desde que assumiu o pontificado, vinculou de maneira hábil e específica os ensinamentos religiosos sobre a pobreza e a compaixão com as políticas fiscais, comerciais e relacionadas com a dívida, que dão forma à nossa economia mundial.

Francisco criticou a evasão fiscal diante de dignitários de paraísos fiscais conhecidos. Pediu um processo de quebra internacional para os países, em resposta à crise da dívida grega. Denunciou a austeridade pelo seu nome, descrevendo-a como algo mau para os pobres. Em seu discurso no Congresso norte-americano, o papa falou sobre “as estruturas injustas”. Não as identificou, mas toda pessoa que o ouve habitualmente sabe a que se referia.

Não por erro, se referiu à “economia” de inclusão ou exclusão. O papa reconhece que o fato de os mais vulneráveis não terem suficiente dinheiro para alimentar suas famílias é o resultado direto das políticas econômicas concebidas nas capitais de todo o mundo. Todos temos um papel na formação dessa economia. E quando trabalhamos juntos podemos lhe dar uma forma melhor.

Nossa organização, a Rede Jubileu Estados Unidos, foi fundada por líderes religiosos e pelo papa João Paulo II para mudar essas políticas econômicas. Conseguimos uma redução de US$ 130 bilhões na dívida externa dos países mais pobres do mundo, dinheiro que reduziu as taxas de mortalidade infantil, construiu escolas e clínicas, eliminou tarifas sanitárias no meio rural africano e muito mais.

De George W. Bush a Barack Obama, passando por Pat Robertson e Jesse Jackson, forjamos um amplo consenso. Não era inevitável. O presidente do Banco Mundial, Jim Kim, afirmou recentemente que, quando o movimento Jubileu começou, na década de 1990, ninguém pensou que teria êxito. Mas por termos trabalhado juntos através das divisões políticas, agora Kim considera que a obra de redução da dívida fez do Jubileu uma razão principal para o crescimento econômico do continente.

Temos outros três grandes desafios para superar. Mais de um bilhão de pessoas vivem na pobreza extrema. A crise da dívida está se estendendo, na Grécia, em Porto Rico e El Salvador. O mundo em desenvolvimento perde quase US$ 1 bilhão por ano pela delinquência, a corrupção e a evasão fiscal, dinheiro que poderia ser destinado à construção de escolas e hospitais nos países mais pobres do mundo.

Francisco observou em seu discurso que essas mesmas estruturas não causam apenas pobreza, mas fomentam os conflitos e a instabilidade. O Congresso dos Estados Unidos pode fazer muito para ajudar, mas será mais eficaz se for possível conseguir a cooperação dos dois partidos.

Tomemos como exemplo o fato de os Estados Unidos serem um dos países que oferecem as maiores facilidades do mundo para a criação de empresas fictícias anônimas que movimentam o dinheiro sujo. Os criminosos usam essas empresas fictícias para fraudar os norte-americanos, roubar os países em desenvolvimento e inclusive financiar o terrorismo. Novas leis poderiam mudar essa situação, e isso só avançará com o apoio dos dois partidos.

Quando o papa nos incentiva a trabalhar juntos, tanto democratas quanto republicanos deveriam tomar nota. Francisco não passou uma mensagem liberal ou conservadora, mas sobre colocar as pessoas em primeiro lugar, e os mais vulneráveis no centro de nossas vidas políticas, morais e espirituais.

* Andrew Hanauer é diretor de campanhas e Eric LeCompte é diretor executivo da Rede Jubileu dos Estados Unidos.

Fonte: ENVOLVERDE


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