terça-feira, 6 de outubro de 2015

Gás de xisto fratura comunidades.
O ativista Ray Kimble transformou sua casa, em Dimock, em um emblema da oposição à exploração de gás de xisto e à técnica do fracking no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Foto: Emilio Godoy/IPS.

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Montrose, Estados Unidos, 16/9/2015 – A norte-americana Vera Scroggins foi processada cinco vezes pela indústria petroleira e, desde outubro de 2013, pesa sobre ela uma ordem de restrição permanente para se aproximar de suas instalações. “Me sinto uma cidadã pela metade, porque as empresas podem fazer o que querem e os cidadãos não. As corporações violam leis ambientais e continuam operando”, lamentou à IPS esta agente imobiliária aposentada, mãe de três filhos e com dois netos.

Desde 2008, Scroggins, do movimento Shaleshock Media, é uma decidida ativista contra a prospecção e exploração do gás de xisto no município de Montrose, no Estado da Pensilvânia, no nordeste do país. O desenvolvimento desse hidrocarbono não convencional, também conhecido pela palavra inglesa shale, requer a técnica da fratura hidráulica, ou fracking, em inglês.

Nesta localidade, com 1.600 habitantes e parte do condado de Susquehanna, há cerca de 1.100 poços em aproximadamente 600 campos, além de 43 estações que compactam o gás para transportá-lo a longa distância. Toda essa infraestrutura está próxima de moradias e escolas, e está nas mãos de sete empresas.

Este Estado é atravessado pela bacia gasífera Marcellus, um dos três grandes depósitos do recurso, que converteram os Estados Unidos em “frackistão”, pela utilização corrente do fracking na indústria de petróleo e gás. Nesses depósitos, a molécula do hidrocarbono está presa em rochas profundas, perfuradas e quebradas pela injeção de enorme quantidade de uma mistura de água, areia e aditivos químicos, que são considerados nocivos para a saúde e o ambiente.

Dessa forma, o gás ou o petróleo é liberado. Mas a tecnologia gera maciços volumes de dejetos líquidos, que devem ser tratados para sua reciclagem, e de emissões de metano, mais contaminante do que o dióxido de carbono, o maior responsável pelo aquecimento global. “Os poços contaminam a água com o metano e o gás vaza para a atmosfera. Muitos não sabem o que acontece, não têm informação. Não me sinto segura com o fracking”, denunciou Scroggins, que vive em Montrose com seu marido, um professor aposentado, e tem como vizinho um poço de gás que opera a um quilômetro de sua casa.

O fracking alterou a paisagem, pois o desenvolvimento dos poços se traduziu na presença de dezenas de caminhões transportando terra, areia e água. As empresas constroem altas torres de aço para perfurar o poço, e, quando sai o gás, é como se um ferro de passar roupas passasse por cima, porque o terreno fica visivelmente plano. Só florescem a tampa do poço e os tubos que transportam o hidrocarbono, conforme denúncia de seus vizinhos forçados.

A industrialização dessas áreas rurais as deixou pouco atraentes, enquanto o acúmulo de metano pode acabar em explosões ou problemas respiratórios para as pessoas, afirmam os ativistas.
Perfuração de um poço de gás de xisto em Montrose, na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Muitas localidades desse Estado tiveram suas vidas alteradas pelo desenvolvimento desse hidrocarbono não convencional e pela polêmica técnica de fratura hidráulica exigida para sua exploração. Foto: Emilio Godoy/IPS.

Em sua Prospectiva Anual de Energia 2015, a estatal Administração de Informação Energética indica que, em 2014, o setor do xisto forneceu 11,34 trilhões de pés cúbicos de gás, equivalentes a 47% da produção gasífera do país. Já a produção de petróleo por fracking foi de 4,2 milhões de barris diários no ano passado, equivalentes a 49% da extração total de petróleo no país, acrescenta o documento.

O petróleo é a principal fonte nacional de energia, com 36% do total, seguido do gás, com 27%, e do carvão com 19%. Na Pensilvânia, a produção de gás saltou de 9.757 pés cúbicos, em 2008, para 3,05 milhões, em 2013. Nesse Estado, berço do primeiro boom do petróleo norte-americano e da fratura hidráulica, foram perfurados 9.200 poços, enquanto as permissões concedidas passam de 16 mil.

Os Estados Unidos são o país que de forma mais intensiva e comercial explora atualmente os hidrocarbonos de xisto. Esse desenvolvimento foi facilitado desde que, em 2005, a Lei de Política Energética eximiu a indústria petroleira das sete maiores normas ambientais. Por isso, a indústria desatou uma onda de queixas em torno de questões ambientais, sanitárias e contratuais, quando as regulamentações estaduais lhe eram adversas.

Em setembro de 2012, o Congresso norte-americano aprovou a Lei de Petróleo e Gás, conhecida como Lei 13, que cancelava o poder das localidades de aprovar ou vetar autorizações de hidrofraturas. Depois da apelação apresentada por conselhos, pessoas e organizações ambientais, a Suprema Corte de Justiça declarou essa lei inconstitucional, o que facultou novamente às administrações locais utilizar suas legislações territoriais para tomar decisões sobre o desenvolvimento do shale em suas jurisdições.

O viajante se depara constantemente na estrada com cartazes onde se lê “Mantenha bonita a Pensilvânia”, mas o que acontece em suas artérias rurais pouco contribui para esse lema. Ray Kimble, mecânico de 59 anos, pode testemunhar a contradição desse lema em Dimock, a localidade próxima onde vive. Ele denunciou à IPS que seu povoado sofre a contaminação da água desde 2009, pelos resíduos da indústria gasífera, onde ele trabalhou como transportador.

“Destruíram o povoado. Não os queremos aqui”, protestou Kimble, alegando que tem tosse persistente e os tornozelos inflamados por causa do contato com os gases enquanto trabalhou no setor. Agora se nega a beber a água que sai das torneiras e se dedica a transportar esse recurso para famílias afetadas pela contaminação denunciada.

Dimock é um povoado com cerca de 1.500 habitantes e cenário do muito premiado documentário Gasland, do norte-americano Joshua Fox, que mostra os danos causados pelo fracking e gerou as primeiras demandas legais contra os chamados “senhores do shale”, que desembocaram em acordos extrajudiciais. A casa de Kimble está a pouco mais de 150 metros de um poço de gás.

Com o xisto, “há ganhos no curto prazo, mas o que acontece quando os campos secam e resta o legado de dejetos?”, questionou à IPS o ativista Tyson Slocum. “Resta água contaminada, fluidos de refluxo, transformação de áreas agrícolas rurais afetadas pela operação dos poços. Há poucas obrigações legais e financeiras de longo prazo para garantir que o legado seja abordado adequadamente”, afirmou esse diretor do programa de Energia do não governamental Public Citizen. Essa organização promove a defesa do consumidor e assessora afetados pelo fracking.

Agora a indústria enfrenta a queda dos preços internacionais dos hidrocarbonos, a contração do financiamento e uma crescente oposição da população à sua tecnologia. Nos últimos oito meses, cerca de 400 cidades em 28 Estados aprovaram vetos ou moratórias ao fracking. Os casos mais importantes aconteceram nos Estados de Nova York, que censurou essa extração em dezembro de 2014, e em Vermont, em 2012.

“Por que não colocam um poço ao lado da casa de um político? Os cidadãos não os querem junto de suas casas”, ressaltou Scroggins. “Tomara que não ocorra um vazamento maior, porque será devastador. Mas a indústria não aceita que praticou mal algum”, acrescentou. Para Slocum, os Estados se acomodaram aos interesses da indústria. “O balanço entre ganhos e saúde pública foi aviltado, o debate sobre empregos e benefícios econômicos é secundário”, destacou.


Fonte: ENVOLVERDE

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