sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Empresas e trabalhadores podem apresentar nova política econômica para o país.
Um diálogo entre as propostas da Agenda Brasil Sustentável e as da Concut não só é possível como necessário para se construir um “projeto de país”.

Por Jorge Abrahão*

O Brasil vive um momento de crise política e econômica no qual todos os setores da sociedade saem perdendo. E é justamente este o momento propício para fazer emergir o novo. No caso, a sociedade brasileira, representada por seus setores mais organizados, tem a chance de estabelecer uma agenda mínima para a retomada do crescimento em parâmetros que permitam ao país enfrentar os grandes dilemas do século 21: as mudanças climáticas, a transição para uma economia de baixo carbono, a inovação disruptiva, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades – pautas expressas, de modo geral, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODS) recém-aprovados pela assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

No último dia 15/10, o Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (Concut) discutiu e apresentou ao público uma proposta alternativa ao ajuste econômico adotado pelo governo federal. Tal proposta, de uma nova política econômica e fiscal para o país, privilegia o desenvolvimento sustentável e a geração de renda e empregos. Em muitos pontos, faz eco à Agenda Brasil Sustentável, que um grupo de empresas e entidades da sociedade civil apresentou em 2014, no âmbito das eleições gerais, como propostas a serem incluídas nos programas dos candidatos à presidência da República.

Num momento institucional crítico para o país, a congruência entre propostas dos segmentos mais organizados do empresariado e dos trabalhadores mostra um caminho para uma concertação nacional imprescindível para que o país possa enfrentar os desafios não só da crise financeira, mas da transição para uma nova economia, nos moldes que estão sendo desenhados pelos ODS e pelo acordo climático global a ser aprovado na COP 21.

No fundo, a questão que devemos enfrentar é: como garantir dignidade a todos até 2030, mantendo as contas públicas em ordem, a economia crescendo, o meio ambiente equilibrado e a sociedade com maior percepção de bem-estar e justiça.

O cenário internacional aponta para superação dos ajustes até agora aplicados, principalmente nos países industrializados. Um sinal recente desta tendência é o reconhecimento a Angus Deaton, o economista britânico-americano que acaba de receber o Prêmio Nobel de Economia.

Deaton trabalha há décadas analisando dados estatísticos de séculos sobre consumo, pobreza e bem-estar. Com essas informações, ele acredita ser possível desenvolver uma política econômica que promova crescimento e bem-estar. Num estudo publicado no ano passado sobre mudanças climáticas, o economista foi enfático ao concordar que as mudanças climáticas representam um novo e real perigo para a sociedade.

As estatísticas pesquisadas por Deaton e as formulações delas originadas estimulam os economistas de qualquer corrente de pensamento a se preocuparem com o mundo real. Para Deaton, política econômica que distribui renda e promove bem-estar social não é aquela que acompanha o movimento do dinheiro, mas a que entende a lógica do consumo no cotidiano dos domicílios.

Nesse sentido, o economista tem a ver com o que as empresas e, agora, os sindicatos dos trabalhadores no Brasil preconizam em suas demandas: a adoção de uma política econômica que promova o crescimento econômico por meio da inclusão social, do equilíbrio ambiental e da integridade.

Vamos comentar alguns pontos de convergência entre a Agenda Brasil Sustentável e a política econômica proposta pela central sindical.

O que é a Agenda Brasil Sustentável?

Essa agenda é, na verdade, um programa construído de forma colaborativa entre empresas, organizações da sociedade civil e movimentos sociais que integrou num único documento diversas iniciativas e demandas vinculadas ao tema do desenvolvimento sustentável. As propostas da Agenda Brasil Sustentável foram divididas em três dimensões: respeito aos limites do planeta; redução das desigualdades; e integridade e transparência.

A agenda busca, em linhas gerais, diminuir as diferenças de renda, melhorar a qualidade dos serviços públicos (saúde, educação, transporte, habitação, saneamento e segurança pública), erradicar o trabalho infantil e o análogo à escravidão, bem como promover a equidade de gênero e raça. Mas quer atingir essas metas por meio de uma nova maneira de produzir e consumir, tendo em vista que os recursos naturais são finitos e escasseiam cada vez mais. Assim sendo, a Agenda Brasil Sustentável alinha-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, recém-aprovados pela ONU. O processo de construção dos ODS foi bastante parecido com o da agenda: foram feitas consultas multissetoriais em todos os países, com a organização de fóruns e mesas de diálogo entre os mais importantes atores sociais, não só governos.

No caso da Agenda Brasil Sustentável, os apoiadores propõem, para atingir as metas, reforma fiscal e gestão pública que incentivem a sustentabilidade, bem como reforma política que garanta a participação política dos cidadãos para além de eleger representantes aos poderes Executivo e Legislativo. Algo muito parecido com o que os ODS preconizam.

As empresas tiveram participação ativa na elaboração dessa agenda e utilizam as propostas para elaborar seus planejamentos estratégicos no caminho da sustentabilidade.

A Agenda Brasil Sustentável foi apresentada aos candidatos à presidência da República em 2014, os quais se comprometeram a executar suas propostas, a presidente Dilma Rousseff inclusive.

Há exemplos de ações empresariais voltadas para os objetivos dessa agenda?

Sim, há nas três dimensões. No que se refere à redução das desigualdades, por exemplo, o Carrefour tem forte atuação na valorização da diversidade de seus quadros funcionais, nas comunidades do entorno e nas cadeias de suprimentos. O projeto Conexão Varejo, parceria iniciada em 2012 entre a Fundação Carrefour e a Rede Cidadã (organização que reúne programas patrocinados por empresas), já capacitou mais de 4 mil pessoas com deficiência em São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Belo Horizonte, Brasília e Recife para atuarem no varejo de alimentos. Na semana passada comentamos aqui uma iniciativa de doze dos maiores grupos empresariais do país que lançaram a Associação Movimento Mulher 360, que visa o empoderamento econômico feminino. Entre eles, podemos citar a Unilever, a Coca Cola, a Diageo, a Cargill e a Nestlé.

A questão da valorização de gênero no mercado de trabalho é muito importante para o progresso socioeconômico do país. No último dia 15, o jornal Valor Econômico trouxe matéria com pesquisa da consultoria McKinsey sobre o impacto da desigualdade de gênero na economia. Segundo o levantamento, se o Brasil conseguir igualar a inclusão de mulheres no mercado de trabalho com a participação delas na população (que é de 51%), equilibrando carga horária de trabalho e a presença delas nos setores mais produtivos, isso representaria um incremento de 30% do PIB à economia brasileira (ver aqui).

Em relação ao meio ambiente, as empresas do Fórum Clima foram agora, em 2015, tão decisivas para o Brasil assumir metas desafiadoras de redução de carbono ao acordo global de clima da COP 21 quanto o foram em 2009, para a COP 15.

Na questão da transparência e da integridade, a atuação empresarial brasileira na prevenção e combate à corrupção e na melhoria das relações público-privadas já adquiriu amplitude internacional, sendo reconhecida inclusive pela ONU.

O que propõe o projeto da CUT e quais os pontos de contato com a Agenda Brasil Sustentável?

A proposta discutida pelos trabalhadores reunidos na CUT fala numa reforma fiscal que alavanque o desenvolvimento sustentável do Brasil, corrigindo desvios e melhorando a arrecadação do país. O documento também fala em “políticas sociais de segunda geração”, ou seja, descentralizadas do Estado, tendo este a função de “provedor” das políticas que estimulem a participação cidadã, inclusive na formulação e aprovação dos orçamentos públicos. Assim, haveria uma “consolidação das leis sociais”, garantindo as compensações de renda para quem ainda precisa e em determinadas situações. Mas a decisão de como e quando aplicar essas políticas, que têm impacto no orçamento, caberia a conselhos e fóruns populares, em conjunto com o Congresso Nacional e outras instituições. Este é um exemplo de como funciona uma política social de segunda geração.

Outros pontos importantes da proposta de desenvolvimento econômico da CUT são o direcionamento do depósito compulsório dos bancos para a habitação popular, a expansão do financiamento do BNDES para as PMEs, a taxação de heranças e a redução de juros.

A Agenda Brasil Sustentável apresenta todas essas demandas, algumas delas de maneira mais detalhada. O diálogo, por isso, não é só possível como necessário para se construir um projeto de país.

Esta expressão chega a estar desgastada de tanto que já foi mal utilizada. Mas nem por isso deixa de ser importante para o contexto brasileiro.
O que é um projeto de país? É uma expressão que resume para todos os segmentos da sociedade o que os cidadãos querem atingir para si e para o coletivo, por meio das riquezas que ajudam a produzir.

Como destacou o economista Márcio Pochman em sua palestra no Concut, a China definiu, ainda nos anos 1990, que quer ter, até 2025, 230 empresas chinesas entre as 500 maiores do mundo. Um objetivo simples, de fácil compreensão, que inspirou e estimulou uma série de políticas em todos os níveis (economia, educação, saúde, habitação, agricultura, exportação, segurança, indústria, comércio etc.) para atingir esse propósito no prazo estipulado.

O que o Brasil quer? A busca por esta resposta é que deve incentivar o diálogo entre as partes interessadas para nos levar a definir um caminho que construa um modelo de desenvolvimento sustentável que nos leve a uma sociedade mais inclusiva e justa.

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.


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