terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Abelha nativa brasileira é capaz de compensar o declínio de outros polinizadores.
Irapuás são capazes de se dispersar por longas distâncias e sobreviver em ambientes fortemente alterados, indica estudo. Foto: Thorben Schoepe).

Por Elton Alisson, da agência Fapesp –

Em quase toda a América do Sul é possível encontrar uma espécie de abelha sem ferrão nativa do Brasil, de cor negra reluzente e bastante agressiva, conhecida popularmente como irapuá ou arapuá (Trigona spinipes).

Um estudo realizado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), em colaboração com a University of Texas em Austin, nos Estados Unidos, constatou que a onipresença da irapuá na região sul-americana pode estar relacionada à capacidade de as abelhas reprodutoras dessa espécie se dispersarem por longas distâncias e colonizar habitats degradados.

Dessa forma, essa espécie de abelha pode sobreviver em ambientes fortemente alterados e atuar como um polinizador “de resgate”, compensando o declínio de outros polinizadores nativos.

Resultado de uma pesquisa de pós-doutorado, realizada com Bolsa da Fapesp, e de um Projeto Temático, financiado pela Fundação, a descoberta foi descrita em um artigo publicado na revista Conservation Genetics.

“Já se sabia que abelhas africanizadas [Apis mellifera] exercem a função de polinizador de resgate”, disse Rodolfo Jaffé, primeiro autor do estudo, à Agência FAPESP. “Mas foi a primeira vez que se observou que uma espécie de abelha nativa também possui essa capacidade”, afirmou o pesquisador, que realizou pós-doutorado sob orientação da professora Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, do IB-USP e atualmente trabalhando no Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), em Belém, no Pará, junto com Jaffé.

De acordo com o pesquisador, as irapuás são polinizadoras oportunistas e generalistas – se alimentam e polinizam flores de diversas espécies de plantas nativas e culturas, como cenoura, girassol, laranja, manga, morango, abóbora, pimentão e café –, são dominantes na maioria das redes de interação entre abelhas e plantas e equivalentes às abelhas africanizadas no Brasil

A fim de avaliar se a perda e a fragmentação de áreas de floresta influenciam a dispersão e a dinâmica da população dessa espécie de abelha, os pesquisadores coletaram exemplares do inseto em fazendas de café associadas a fragmentos de Mata Atlântica e em áreas urbanas da cidade de Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais.

Por meio de ferramentas de sequenciamento genético de última geração, eles desenvolveram novos marcadores microssatélites – pequenas regiões do DNA, que variam de um indivíduo para outro – e utilizaram esses marcadores para genotipar as abelhas coletadas.

Com base em uma série de softwares disponíveis em um laboratório especializado em genética da paisagem na University of Texas em Austin – onde Jaffé realizou um estágio com Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), da FAPESP –, os pesquisadores estimaram o grau de relacionamento genético entre abelhas coletadas em ambientes com diferentes níveis de degradação.

Ao sobrepor os dados de relacionamento genético das abelhas coletadas em mapas com alta resolução de relevo, tipo de uso da terra e cobertura vegetal da região estudada, eles conseguiram avaliar a influência desses fatores sobre o fluxo gênico (troca da informação genética) entre as abelhas da região.

“Queríamos avaliar se a cobertura florestal, o tipo de uso da terra ou a elevação influenciavam a dispersão e a diferenciação genética das irapuás”, contou Jaffé.

Os resultados das análises estatísticas do estudo indicaram que as irapuás são capazes de se dispersar por longas distâncias, uma vez que não foi encontrada diferenciação genética entre as abelhas coletadas em uma faixa de 200 quilômetros – abelhas encontradas em São Paulo e Poços de Caldas pertenciam a uma mesma população.

Além disso, o fluxo gênico das abelhas não foi afetado pela cobertura florestal, o tipo de uso do solo ou a elevação, indicando que os indivíduos reprodutivos dessa espécie de abelha sem ferrão são capazes de se dispersar tanto por áreas preservadas como também por áreas desmatadas e em diferentes gradientes altitudinais.

“Essa espécie de abelha consegue manter um alto fluxo gênico em diferentes tipos de ambientes. Por isso, pode ser considerada um polinizador de resgate, ao compensar o declínio de outros polinizadores nativos mais sensíveis ao desmatamento”, avaliou Jaffé.

Os pesquisadores também encontraram evidências de uma expansão populacional recente das irapuás, provavelmente causada pelo desmatamento de áreas da Mata Atlântica.

“O desmatamento recente de áreas de Mata Atlântica pode ter causado uma expansão populacional dessas abelhas, provavelmente porque são boas colonizadoras de áreas degradadas”, estimou Jaffé.

Um estudo recentemente publicado por outro grupo de pesquisadores brasileiros no início de setembro, na revista PloS One, integrante de outro Projeto Temático, apoiado pela Fapesp, comparou redes de interação entre abelhas e plantas em todo o Brasil.

Os resultados da pesquisa indicaram que as irapuás se dão melhor em ambientes degradados do que preservados.

“As irapuás têm uma alta capacidade de colonizar habitats degradados”, afirmou Jaffé.

Alta reprodução

Ainda não se sabe muito bem por que as irapuás possuem uma capacidade de dispersão e resistência tão grande em ambientes degradados.
Uma das hipóteses dos pesquisadores é que essa espécie de abelha tem uma taxa de reprodução muito alta.

“Todos os anos, as irapuás produzem uma ou várias colônias-filhas [com, em média, 90 mil operárias], que conseguem se dispersar por longas distâncias”, explicou Jaffé.
Outra hipótese é que os machos conseguem voar a grandes distâncias e se acasalar com rainhas de outros lugares, disse Jaffé.

Além disso, as irapuás constroem ninhos externos e não precisam de ocos ou cavidades de árvores para fazê-los, o que permite que consigam colonizar muitos lugares.

“Esses fatores contribuem muito para aumentar a taxa de dispersão dessas abelhas”, avaliou.

O artigo “Landscape genetics of a tropical rescue pollinator” (doi: 10.1007/s10592-015-0779-0), de Jaffé e outros, pode ser lido na revista Conservation Genetics.

E o artigo “Native and non-native supergeneralist bee species have different effects on plant-bee networks” (doi: 10.1371/journal.pone.0137198), de Tereza Giannini e outros, pode ser lido na revista PLoS One.


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