segunda-feira, 25 de abril de 2016

Por que falar de cidades educadoras?
Entre os dias 1 e 4 de junho deste ano, a cidade de Rosário na Argentina, receberá o XIV Congresso Internacional de Cidades Educadoras. Será o primeiro do gênero nas Américas, que têm atualmente 12 países e 60 cidades cadastradas na Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE).

Por Pedro Ribeiro Nogueira –

Em 1990, durante o primeiro congresso da AICE, em Barcelona, uma carta de princípios foi redigida, esboçando algumas das características que fazem de uma cidade um ambiente educador. Baseada na Declaração Internacional dos Direitos Humanos, a carta entende que as cidades são espaços plenos de oportunidades educativas, que podem ser potencializadas ou esquecidas. E reafirma: aprender é um processo para todas as idades e para toda a vida.

Entre tantos países e cidades, não faltaram diferentes aplicações destes princípios. Cada prefeito, gestor, diretor de escola, professor, coletivo ou organização da sociedade civil que se aproxima da ideia realiza um aporte único, alicerçado em sua realidade e em sua prática no território. Além dos vinte pontos do texto do I Congresso, muitos outros vão sendo criados diariamente por todos aqueles e aquelas que olham para a educação como algo que ocorre também fora dos muros das escolas.

Para debater estes diferentes aspectos, o Portal Aprendiz dá início a uma série de reportagens sobre experiências, conceitos e princípios que sublinham a atuação das Cidades Educadoras em suas diferentes formas. Nesta edição, perguntamos às pessoas que atuam na cultura, na educação, no urbanismo, na preservação e acesso ao patrimônio, na inclusão e na infância por que faz sentido falar em Cidades Educadoras no Brasil.
Foto: imfernandes

# Infância,

Por Ana Cláudia Leite, diretora de educação do Instituto Alana.

Garantir às crianças o direito à vida, saúde, educação, alimentação, enfim, os direitos fundamentais, deve ser prioridade absoluta. Honrar a criança, garantindo seu pleno desenvolvimento, é um caminho para garantir uma sociedade mais justa, plural e igualitária. O quanto a cidade é capaz de absorver essas demandas e acolher a infância, sendo um espaço de convivência, justiça e igualdade, terá um impacto fundamental nisso. Não há como desvincular a discussão de uma Cidade Educadora, do impacto do território na formação das novas gerações, da discussão da garantia de direitos.

Nós aprendemos ao longo de toda a vida, mas na infância, isso é muito mais intenso. Então, quando garantimos uma cidade que educa, na qual os bairros têm saberes que devem ser valorizados, que ela é um espaço formativo, você amplia as possibilidades dela ser um lugar significativo. A cidade que cresce com vistas a ser educadora olha não só para habitação e saneamento, que são fundamentais, mas para lazer, áreas verdes, espaços públicos. A criança convida a se pensar políticas de uma maneira mais universal, na perspectiva dela, é possível acolher mais gente, imaginar outras possibilidades de se fazer cidade. Ter uma responsabilidade com a infância e com a educação é se humanizar, é fortalecer formas significativas de conviver.
Foto: Governo do Estado

# Inclusão,

Com Maria Antônia Goulart, Especialista em políticas públicas da educação integral e uma das idealizadoras do Movimento Down.

No congresso passado, em Barcelona, o mote era “Cidade Educadora é aquela que inclui”. Acho que essa é uma dimensão fundamental: uma cidade não pode ser educadora se ela não pensa em todos setores que a compõe. E isso rebate em várias áreas, não é só nas escolas inclusivas e preparadas, mas na cidade como um todo, em como ela se produz e em como ela produz a comunicação, a acessibilidade dos espaços públicos e culturais, na possibilidade de troca de experiências por pessoas com e sem deficiência, das mais diversas línguas e nacionalidades.

Nas práticas mais arrojadas que vemos hoje de Cidades Educadoras, a questão da inclusão vem com bastante força. No Brasil, precisamos olhar a inclusão como um componente da vida das pessoas. Não é só escola especial ou adaptação. Trata-se de construir as condições necessárias para demolir as barreiras que criamos, para desfazer os obstáculos que fazem com que cada vez menos pessoas tenham acesso aos serviços e oportunidades. Neste ano teremos Paraolímpiadas e o que você viu sobre acessibilidade e inclusão até agora? O Brasil tem muito que avançar.
Foto: Jan Ribeiro/ Olinda

# Patrimônio e acesso aos bens culturais,

Com Márcio Carvalhal, membro da Rede Juntos pela Educação Integral e Ecomuseu de Maranguape (CE).

A questão do acesso aos bens culturais no Brasil esbarra na falta de políticas públicas que facilitem que a população possa conhecer e usufruir de tais bens, e de uma cultura de preservação e valorização do patrimônio, seja ele material ou imaterial na educação. É preciso que haja um comprometimento político dos gestores públicos com este tema, que esta consciência possa permear e influenciar as decisões de gestão em um sentido pedagógico. Este histórico de desvalorização dos bens culturais formou uma população que não reconhece seu patrimônio, e que não possui uma relação com o espaço que o circunda e tampouco poderá valorizar este contexto.

A importância de explorar e disseminar a concepção de Cidade Educadora para o Brasil reside no fato de que esse tipo de iniciativa faz com que gestores públicos, educadores e cidadãos comuns pensem em políticas públicas que facilitem a integração e a qualificação de seus potenciais espaços de aprendizagem, com objetivo de convidar crianças, jovens e adultos a conhecer, valorizar e vivenciar a cidade. A construção de uma Cidade Educadora propõe que exploremos a cidade como um currículo vivo e dinâmico: a rua ensina e precisamos aprender a ler seu potencial educativo, construindo um profundo significado na relação homem/território e seu papel cidadão. Outra contribuição da Cidade Educadora é colaborar com a requalificação dos conteúdos da educação no Brasil, ajudando a formatar currículos mais dinâmicos e integrados à cidade ou comunidade local, levando em consideração suas particularidades.
Pedro Ribeiro Nogueira/Portal Aprendiz

# Educação,

Com Helena Singer, socióloga, pesquisadora e educadora, coordenou o edital sobre Inovação e Criatividade na Educação Básica, do Ministério da Educação, que identificou centenas de práticas educadoras na educação brasileira.

É curioso que a gente precise explicar porque falar de Cidade Educadora é importante para a educação. Isso se dá porque a visão geral da educação é sua redução à escolarização e o processo de escolarização tende a se reduzir ao ensino de habilidades básicas que credenciem a certificados específicos. Mas, claro que educação é muito mais do que isso. Trata-se de processo permanente em nossas vidas, que nos possibilita conhecer, refletir e reconstruir os valores e códigos de nossa sociedade. Neste sentido, a cidade também é um agente de nossa educação. A Cidade Educadora reconhece e assume este papel, desenvolvendo um planejamento que se volta integralmente para o bem-estar de seus habitantes. E de seus múltiplos territórios.

Para tanto, os diversos setores urbanos precisam trabalhar de forma integrada, compartilhando suas bases de dados, perspectivas e estratégias para construir juntos ações que efetivamente impactem o bem-estar de todos. O setor da educação dita formal, das escolas e universidades, claro que deve ter papel protagonista em todo este processo. Na Cidade Educadora, os projetos pedagógicos destas instituições reconhecem os territórios em que estão localizadas, os modos de vida de seus públicos, sua cultura, o acesso que têm ou não a bens e serviços urbanos. Com base neste reconhecimento, as escolas e universidades das Cidades Educadoras constroem seus currículos e firmam alianças com agentes dos outros setores no mesmo território, além da própria comunidade. Dessa forma, tornam-se centros locais de produção de conhecimento capazes de se espalhar e catalizar os processos de desenvolvimento urbano.
Foto: Lu

# Urbanismo,

Com Beatriz Goulart, arquiteta, urbanista e educadora.

A concepção de Cidades Educadoras está fundamentada na ideia de educação permanente e integral – que se dá o tempo todo, por toda parte, em todos os lugares, inclusive nas escolas. Nesse sentido, considera-se a potencialidade educativa do território, formado por espaços construídos e espaços livres. Ou seja, por arquiteturas e urbanismos que, neste contexto, não devem ser mais tratadas isoladamente mas, sim, articuladamente. Falar de Cidades Educadoras, portanto, requalifica o campo de reflexão e atuação da arquitetura-urbanismo na perspectiva do território-rede. Além disso, considerar o potencial educativo dos lugares – lugares-casa, lugares-escola, lugares-praça, lugares-rua, lugares-floresta, etc – tem exigido uma revisão das teorias e metodologias de projeto (de arquitetura e de urbanismo), no âmbito do ensino/formação, da pesquisa e da atuação dos arquitetos-urbanistas na sociedade, de modo que nossas práticas sejam mais integradas e integradoras do que têm sido. A meu ver, este movimento todo levará à necessária revisão dos instrumentos legais que regem este campo – planos diretores, lei de uso do solo, código de obras e programa de necessidades dos edifícios públicos e privados – que foram desenvolvidos desconsiderando a integralidade e o potencial educativo do território. Não há mais sentido, por exemplo, em projetar e construir escolas estruturadas a partir de uma sequência de salas de aula idênticas, cercadas de altos muros, sem qualquer integração com seu entorno. A lógica da arquitetura e do urbanismo ainda responde a concepções do século passado, quiçá retrasado.

A temática das Cidades Educadoras exige que as cidades e as escolas se transformem e, para isso, nós arquitetos-urbanistas somos obrigados a também nos reinventar, a sairmos do nosso quadrado, somos obrigados a entrar na roda enquanto mediadores-educadores ambientais, trabalhando com metodologias colaborativas, participativas. A Cidade Educadora requer a reinvenção do sentido e do significado de nossa profissão, de nossa produção.
Foto: Cidade do Saber Camaçari.

# Cultura,

Com Juana Nunes, coordenadora da Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural (Sefac) do Ministério da Cultura (MinC).

A Cultura tem um papel fundamental no conceito de uma Cidade Educadora e é premissa básica para a construção de um novo caminho de formação cidadã. Essa perspectiva visa o diálogo com os diversos setores que atuam na cidade, potencializando as ações conjuntas dos diversos sujeitos, seus saberes e fazeres, dentro e fora dos espaços formais de educação, e aponta para um modelo sustentável de vida. A Cidade Educadora necessita da participação social, pois tem como base o planejamento estratégico intersetorial, intergeracional e interterritorial. Seu caráter participativo requer processo criativo constante. Ela é lugar do diálogo para quem se colocar como autor/ator de um projeto de futuro.

E é, também, aquela que resulta da poesia urbana, da vida partilhada em praças públicas, praias, campos, avenidas, museus, centros culturais, pontos de cultura, moradias, edificações históricas, escolas, hospitais, enfim, por todos os espaços e territórios da vida humana – considerando o campo e a cidade como extensão um do outro na produção da diversidade cultural. O respeito aos modos de ser, saber e fazer das comunidades em diversos territórios gera enraizamento e apropriação dos sujeitos aos espaços de vida, que se manifesta (espontânea, técnica e/ou artisticamente) em distintos modos de produzir cultura. Sendo assim, o processo formativo requer métodos múltiplos e complexos do ponto de vista político, ético e estético, principalmente quando se trata de um plano para a Cidade Educadora. Ela é, por fim, uma utopia do educar na direção da arte do viver junto.


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