segunda-feira, 4 de julho de 2016

Mais um round contra a flexibilização do licenciamento ambiental acontece no Conama.
Autor Sucena Shkrada Resk - 23/06/2016
Manter a conservação de ecossistemas e direito de populações são preocupação de sociedade civil em relação a propostas de mudanças de regras do licenciamento ambiental. Foto: Divulgação/ICV.

As propostas que tramitam no Congresso Nacional (veja mais em Justiça e sociedade civil dizem não à PEC 65/2012, em audiência pública em Cuiabá) e na instância do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para a flexibilização do licenciamento ambiental de obras públicas se tornaram pivô de uma mobilização em nível nacional.  Com isso, a discussão está sendo realizada em diferentes frentes. Os membros do grupo de trabalho da bancada ambientalista da sociedade civil na Câmara Técnica de Controle Ambiental, que tratam da proposta de modificações das Resoluções Conama 1/86 e 237/97, apresentada pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), lançaram um manifesto pela Ética, Qualidade Técnica e Participação no Licenciamento Ambiental Brasileiro e se retiraram da avaliação. Os integrantes consideram que o processo está sendo feito sob pressão. A questão voltará à agenda do Conama, no mês de julho, quando haverá a primeira reunião dos integrantes do conselho com o atual ministro de Meio Ambiente José Sarney Filho.

A Abema propõe que haja um licenciamento unificado, além das fases tripartite  (licença prévia, de instalação e de operação) do licenciamento ambiental em vigor. Também propõe ao empreendedor (de baixo e médio potencial poluidor) o licenciamento por termo de adesão e compromisso e outra modalidade de registro eletrônico de informações no órgão licenciador, por exemplo, sem estudo de impacto ambiental. “Não é algo condizente à realidade ambiental e está atendendo somente ao interesse do setor privado. Estamos aguardando conversar com o ministro de meio ambiente em julho”, diz Fideles Paixão, advogado e representante do Argonautas Ambientalistas da Amazônia, que é um dos cinco conselheiros (representante da sociedade civil) neste grupo de trabalho.

O advogado observa as semelhanças da proposta com as da PEC 65/2012. “A ideia é desregulamentar o licenciamento para facilitar a execução dos projetos. Não leva em consideração a questão da segurança ambiental e do interesse público, mas do setor produtivo, que diz que o processo é burocrático e demorado”. Paixão rebate que a alternativa a este problema seria o investimento público na capacitação dos técnicos responsáveis pelo licenciamento.

“As resoluções precisam ser aperfeiçoadas, mas não na direção deste desmonte que propõe essa diminuição do tempo e suspensão de etapa de avaliação, mas no direcionamento de melhorar seu conteúdo de interesse público e qualidade ambiental. O ideal é que haja maior integração entre os órgãos licenciadores municipais, estaduais e federais e melhores critérios de avaliação de impacto ambiental”, considera.

Monitoramento e transparência

Ana Luiza Peterlini, promotora da 15ª Promotoria de Justiça Cível de Defesa do Meio Ambiente Natural, em Mato Grosso, também foi ouvida pelo ICV, afirmou que é preciso modernizar o processo de licenciamento, mas de uma forma consentida com a participação da sociedade civil. “Hoje o processo é burocrático, a demanda é grande e a estrutura dos órgãos ambientais é muito tímida. 

Precisamos de licenciamento de diferentes modelos e é importante que os enquadramentos de baixo impacto não favoreçam nenhum segmento em especial. Isso tem de ser discutido com os Conselhos de Meio Ambiente para garantir a participação popular”, avalia. Segundo ela, audiências públicas a respeito também são importantes neste processo e não podem ser rápidas, como ocorreu com a proposta da Abema, que não tem especificados quais  seriam esses enquadramentos.

“Aqui em Mato Grosso, por exemplo, os projetos agropecuários causam significativos impactos, que devem ser considerados. É preciso deixar muito claro o monitoramento de todos os tipos de empreendimentos. Na minha opinião, por exemplo, pode ser melhor por meio de auditorias ambientais independentes, custeadas pelo empreendedor. Encontrar formas de criar mecanismos de controle sem onerar o poder público”, diz.

João Paulo Soares de Andrade, coordenador do Núcleo de Redes Socioambientais do Instituto Centro de Vida (ICV), que integra o Fórum Teles Pires e a Rede Juruena Vivo, e é membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), analisa que os conselhos devem ser fortalecidos. “O Estado também não pode ser dispensado de monitorar e o modelo de auditoria independente é uma opção a mais interessante”, concorda. Segundo ele, não deve ser esquecido o princípio de precaução ao se estabelecer os empreendimentos.

Histórico: a toque de caixa

Paixão explica que a proposta da Abema foi apresentada em dezembro passado, praticamente no período de festas de fim de ano. “Com a entrada do documento, o governo federal começou a empurrar uma agenda para a Câmara Técnica para a aprovação da matéria a toque de caixa”, critica.

Ele relata que foi criado o grupo de trabalho para estudar estas propostas, que manteve um total de quatro reuniões até que os representantes das organizações da sociedade civil decidiram se retirar da agenda como manifesto.

“O regimento do Conama permite que a Câmara trabalhe na pauta até um ano, mas aprovaram que fosse, no máximo, em 60 dias. Fomos contra, porque é um tema importante da base do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama)”. Paixão também explica que o fato de uma consulta virtual sobre o tema ter sido feita somente por 10 dias, durante o período do Carnaval, foi considerada errada pelo grupo. “Nesta época, as pessoas não estão atentas a estes assuntos. Era preciso ouvir sociedade civil, técnicos e acadêmicos”, justifica.

Manifesto

Como forma de repúdio ao processo, o grupo criou o Manifesto. “Já contamos com mais de 300 adesões de organizações ambientalistas. Também pedidos ao Ministério Público que notificasse o Ministério do Meio Ambiente, porque vários princípios jurídicos estão sendo desrespeitados, como da livre informação e da segurança jurídica das normas ambientais”, afirma. Também se posicionam contra a proposta, a Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma) e o Ministério Público.

Ao mesmo tempo, segundo o conselheiro do Conama, há diferentes iniciativas no Congresso Nacional para flexibilizar o licenciamento e as demais normas ambientais. “Um dos exemplos, além da PEC 65/2012, é o projeto de alteração do Código de Mineração. É todo centrado na desregulamentação e na facilitação da concessão de lavras. Já está em fase final de tramitação e é liderado pelas bancadas corporativas”.

Mais uma pressão na esfera legislativa é de tirar o poder deliberativo do Conama. “Um novo projeto, neste sentido, tramitou liderado pela bancada ruralista, no ano passado. Mas quem ficaria responsável por esta atribuição, que existe desde os anos 80 e conferiu credibilidade ao conselho?”, questiona.

O Conama é formado por cerca de 100 membros; desses, 22 representam a sociedade civil, sendo 11 eleitos, 3 são escolhidos pelo presidente da república e os demais são representantes de outros segmentos.

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Fonte: ICV

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