Planta
presente no Brasil é capaz de colonizar áreas desmatadas.
Pesquisadores da University of Texas em Austin, nos
EUA, em colaboração com colegas da USP, constatam que Miconia affinis mantém
alta diversidade e fluxo genético entre fragmentos florestais. Foto: Flor
de Miconia affinis/Antonio R. Castilla.
Pesquisadores observam que espécie de planta é
capaz de manter alta diversidade genética, independentemente da quantidade de
floresta que a circunda.
Por Elton Alisson, da Agência FAPESP –
As espécies de árvores nativas pioneiras – que têm
capacidade de colonizar ambientes degradados em razão de sua alta capacidade
reprodutiva e crescimento rápido, entre outras características – têm sido
priorizadas em programas de restauração de florestas tropicais desmatadas.
Isso porque essas árvores facilitam a transição da
terra desmatada para a floresta em recomposição ao estabilizar o terreno e
melhorar a conectividade entre os fragmentos florestais restantes, além de
aumentar a permeabilidade do solo e contribuir para iniciar a montagem de redes
de polinizadores e dispersores de sementes de plantas, apontam especialistas na
área.
Apesar da importância ecológica dessas espécies
pioneiras pouco se sabe, por exemplo, sobre como elas mantêm a diversidade
genética nas populações naturais e o fluxo genético entre fragmentos florestais
distantes uns dos outros, por exemplo, pondera Rodolfo Jaffé, pesquisador do
Instituto Tecnológico Vale (ITV).
“Ter conhecimento da genética dessas espécies é
fundamental para conseguir uma restauração mais eficiente ou a recuperação de
funções ecossistêmicas-chave em curto ou médio prazo”, disse Jaffé à Agência
FAPESP.
“É claro que esses ecossistemas recuperados por
meio das espécies de árvores nativas pioneiras nunca serão iguais aos originais.
Mas a ideia é chegar o mais próximo possível”, afirmou Jaffé, que realizou
pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP)
com Bolsa da FAPESP.
O pesquisador, em parceria com colegas da
University of Texas em Austin, nos Estados Unidos, onde fez um estágio de
pesquisa também com Bolsa da FAPESP, estudou os padrões de diversidade e
diferenciação genética da espécie de árvore nativa pioneira Miconia affinis
(conhecida popularmente no Brasil como jacatira-branca), que ocorre na região
do Canal do Panamá, na América Central.
Os resultados do estudo foram descritos em um
artigo publicado na revista PLoS One.
“A região do Canal do Panamá, que é um hotspot de
biodiversidade global, perdeu em torno de 30% das suas florestas nos últimos 50
anos em razão do avanço da agropecuária, e isso tem resultado em uma forte
erosão e em um acúmulo muito grande de sedimentos nos córregos e canais,
influenciando negativamente todo a bacia e o sistema hídrico da região”,
afirmou Jaffé.
“Por isso, o governo do país tem interesse em
recuperar as áreas desmatadas para diminuir a erosão e o acúmulo de sedimentos
no Canal, e as espécies de árvores nativas pioneiras presentes na região seriam
boas candidatas para serem usadas em programas de restauração”, explicou.
A fim de avaliar se áreas desmatadas constituem uma
barreira para as populações dessa espécie de árvore que mede entre 3 e 6 metros
de altura e está amplamente distribuída na região neotropical (que vai desde o
México ao Brasil), os pesquisadores coletaram folhas de cerca de 30 árvores em
período de inflorescência e infrutescência de 11 populações diferentes,
espalhadas pela região do Canal do Panamá.
Em seguida, extraíram o DNA das folhas e utilizaram
marcadores moleculares microssatélites – pequenas regiões do DNA, que variam de
um indivíduo para outro – para obter uma assinatura genética (genótipo) de cada
uma delas.
Por meio de mapas de alta resolução da cobertura
florestal e elevação da região do Canal do Panamá, além de ferramentas de genética
da paisagem, eles avaliaram a influência de fatores como a distância
geográfica, a altitude e o desmatamento sobre a estrutura e a diversidade
genética dessas populações de árvores.
Os resultados das análises estatísticas indicaram
que a diferenciação genética dessa espécie de árvore que geralmente coloniza
clareiras, áreas ciliares e encostas expostas, aumentou significativamente de
acordo com a altitude e a distância geográfica entre as populações.
“Isso quer dizer que, quanto mais afastadas, mais
diferenciadas geneticamente são as populações dessa espécie de planta, e quanto
mais próximas, mais parecidas são geneticamente. Esse padrão, chamado de
isolamento por distância, é esperado para a maioria das populações de plantas”,
afirmou Jaffé.
As análises também indicaram que a Miconia affinis
apresenta níveis mais elevados de diversidade genética intrapopulacional e
menores níveis entre populações do que muitas espécies de plantas pioneiras.
Curiosamente, o nível de diferenciação genética
entre populações da planta, que, no Brasil, ocorre na Mata Atlântica, Cerrado e
na Amazônia, foi menor do que a média relatada para árvores tropicais, mas
semelhante ao de espécies tropicais pioneiras com dispersão mediada pelo vento,
apontaram os pesquisadores.
“Esse alto nível de diversidade genética e baixo
nível de diferenciação genética entre as populações da planta é devido,
provavelmente, à propensão das espécies para colonizar paisagens recentemente
desmatadas, levando a um aumento na conectividade entre as populações em toda a
região”, estimam os pesquisadores.
Efeito da altitude
Os pesquisadores também constataram que a elevação
influencia a diferenciação genética em populações da planta.
As populações da planta localizadas em pontos mais
altos eram geneticamente mais diferenciadas do que as situadas em lugares com
altitude menor, independentemente da distância que as separam, afirmou Jaffé.
“Uma das razões para isso é que a temperatura mais
baixa e a maior precipitação em locais de alta altitude, em comparação com
locais de baixa altitude, podem afetar o trabalho dos polinizadores e dos
dispersores de sementes dessa espécie de planta”, explicou o pesquisador.
A Miconia affinis é visitada por uma grande
diversidade de abelhas sociais e solitárias, e as sementes de seus frutos são
dispersas por uma variedade de espécies de pássaros, morcegos e macacos.
A temperatura mais baixa e a maior precipitação em
locais mais elevados podem afetar as condições de voo dos insetos e diminuir a
abundância de polinizadores nessas regiões.
Temperatura e precipitação também fazem com que a
floração das plantas aconteça antes da que ocorre em locais com mais baixas
altitudes, apontou o pesquisador.
“Isso faz com que os polinizadores fiquem só no
lugar onde ocorre a floração primeiro e que não visitem as populações de
plantas localizadas em locais mais baixos, onde ainda não há flor. E essa
diferença na fenologia [floração das plantas] pode influenciar suas estruturas
genéticas”, afirmou.
Os pesquisadores não encontraram evidências do efeito
do desmatamento sobre a diferenciação genética de populações da planta.
Uma das hipóteses levantadas por eles é que a alta
capacidade de dispersão e colonização dessa espécie de planta promove o fluxo
de genes da árvore em toda a região do Canal do Panamá, independentemente da
cobertura florestal.
“As populações dessa espécie de planta conseguem
manter fluxo genético mesmo através de áreas desmatadas”, disse Jaffé. “Os
polinizadores e dispersores de sementes conseguem visitar as plantas,
atravessar áreas desmatadas e polinizar as plantas de populações situadas em
outros locais”, afirmou.
Os pesquisadores também observaram que essa espécie
de planta, que vive, em média, 64,3 anos, e gera sementes pela primeira vez em
seis anos, também em média, é capaz de manter alta diversidade genética,
independentemente da quantidade de floresta que a circunda.
“Esse conjunto de características torna a Miconia
affinis uma ótima candidata para ser usada em programas de reflorestamento”,
disse Jaffé.
O artigo “Elevation, not deforestation, promotes
genetic differentiation in a pioneer tropical tree” (doi:
10.1371/journal.pone.0156694), de Jaffé e outros, pode ser lido na revista PLoS
One em:
Fonte: Agência Fapesp
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