quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Olimpíada fecha ciclo de megalomania.
Moderno conjunto de prédios, com todos seus escritórios, lojas e locais vazios. É um dos muitos “elefantes brancos” deixados na cidade de Itaboraí, perto do Rio de Janeiro um abortado megaprojeto petroquímico e petroleiro no sudeste do Brasil. Foto: Mario Osava/IPS

Por Mario Osava, da IPS – 

Um ciclo de megaeventos e megaprojetos está terminando no Brasil com os Jogos Olímpicos, que acontecem este mês no Rio de Janeiro, com saldo negativo deixado pela megalomania, que também alimenta a crise econômica e política em que o país está mergulhado.

Rio de Janeiro, Brasil, 2/8/2016 – Não é mera coincidência que a presidente afastada, Dilma Rousseff, enfrente neste mês de agosto a fase final do julgamento de seu impeachment no Senado.

Durante uma década, atividades e obras gigantescas – algumas ainda não concluídas ou condenadas ao abandono –, estimularam a economia, os sonhos, as polêmicas e frustrações dos brasileiros, refletindo e acelerando a subida e a queda no poder do Partido dos Trabalhadores (PT). O crescimento econômico do país e o prestígio internacional do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) foram decisivos para que, em 2007, o Brasil fosse escolhido sede da Copa do Mundo da Fifa (Federação internacional de Futebol Associado), de 2014.

Dois anos depois, o Rio de Janeiro conquistou o direito de receber os XXXI Jogos Olímpicos. Em 2007, esta cidade já havia sido sede dos Jogos Pan-Americanos, inaugurando a série de megaeventos esportivos no Brasil, que incluiu também a Copa das Confederações da Fifa, antecedendo o Mundial de futebol.Também nessa época começou a onda de megaprojetos de infraestrutura que respondiam a necessidades energéticas e de transporte, principalmente para a exportação de produtos básicos, minerais e agrícolas.

Grandes centrais hidrelétricas, ferrovias, portos, pavimentação de estradas e a transposição do rio São Francisco para aliviar a seca no Nordeste, além de numerosas obras urbanas, compuseram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com estímulos tributários e creditícios.Dilma sucedeu Lula na Presidência, após uma campanha eleitoral em que foi apresentada como “mãe do PAC”, para enaltecer sua alegada capacidade de gestão de milhares de obras por todo o país.

No setor petroleiro, a descoberta da volumosa jazida do pré-sal no fundo do Oceano Atlântico, em 2006, desatou outro programa gigantesco, de quatro grandes refinarias, dois polos petroquímicos e dezenas de estaleiros para produção de plataformas de exploração e produção, além de navios de transporte.

As duas maiores refinarias, que deveriam ser construídas no Nordeste, foram canceladasem 2015, com perdas próximas dos US$ 800 milhões. Uma terceira funciona parcialmente e a última teve suas obras interrompidas, bem como o Complexo Petroquímico ao qual está integrada, perto do Rio de Janeiro, deixando vazios muitos edifícios comerciais e hotéis, construídos em cidades vizinhas para atender uma prosperidade industrial que nunca chegou.
A sala de turbinas da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, durante sua instalação em 2015. A megaobra deverá estar pronta em 2019. Foto: Mario Osava/IPS

Os estaleiros, em sua maioria, quebraram ou reduziram ao mínimo suas atividades. No município de Niterói, vizinho ao Rio de Janeiro, metade de seus dez estaleiros fechou e mais de 80% de seus 15 mil empregados foram demitidos. Possivelmente o castelo deste acelerado desenvolvimento teria caído de todo modo, mas somaram-se vários fatores destrutivos para acelerar o desastre.

Os preços do petróleo caíram em 2014, quando também começou o escândalo de corrupção na Petrobras, envolvendo centenas de políticos e empresários. Além disso, os governos de Lula e Dilma tentaram conter a inflação congelando os preços internos de derivados de petróleo, em detrimento das finanças da empresa que quase entrou em colapso diante de tantos golpes adversos.

As ferrovias não tiveram melhor sorte. Duas projetadas para cruzar o Nordeste em diferentes latitudes, uma privada e outra pública, tiveram sua construção paralisada e são fortes candidatas a serem novos “elefantes brancos”, diante da suspensão dos projetos de mineração cuja produção transportariam. Como consequência, também é suspensa a instalação de um novo porto marítimo e a expansão de outros dois.

Já as hidrelétricas, pelo menos, estão sendo concluídas. Mas sofrem as idas e vindas do setor elétrico. As linhas de transmissão são estendidas com atraso e a recessão econômica iniciada em 2014 reduziu o consumo energético, ampliando a capacidade ociosa e as perdas nas empresas geradoras e distribuidoras.As quatro maiores centrais, construídas nos sensíveis rios amazônicos, enfrentam denúncias ambientais e acusações de violar os direitos de populações afetadas: indígenas, ribeirinhas e de pescadores.

Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, com capacidade de 11.233 megawatts (MW), foi acusada de “etnocídio” contra indígenas pelo Ministério Público e enfrenta 23 ações judiciais por suposto descumprimento de exigências legais.Também é criticada pelos próprios defensores da hidroeletricidade, porque, em média, vai gerar apenas 40% de sua potência. Com pequena represa, uma opção que reduziu seus impactos ambientais, sofrerá os efeitos dos excessivos altos e baixos do rio Xingu, cujo caudal na época da estiagem vai para um vigésimo do que é na época de cheias.

As estradas não fazem parte da epidemia recente de megaprojetos. Estão em processo de pavimentação e ampliação, mas foram abertas em ciclos anteriores, nos anos 1950 e 1970.

O vício brasileiro pelo gigantismo nasceu, provavelmente, com Brasília, construída em uma área inóspita e a mais de 1.500 quilômetros dos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, em apenas cinco anos, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961).A façanha se completou com a abertura de estradas radiais para comunicar a nova capital com os pontos cardeais extremos do país. Os longos caminhos que cruzaram o país somente se converteram em autênticas rodovias, pavimentadas e com pontes, décadas depois.

Reconhecida com um sucesso, com Brasília os políticos deixaram uma obra consagradora, embora fosse apenas parte do plano de Juscelino, grande impulsionador da indústria metalomecânica no Brasil, ao inaugurar a grande produção de veículos automotores. A crença é que Brasília foi o grande fator de povoamento e desenvolvimento do Oeste e Norte do país, ignorando o papel da expansão agrícola.

A ditadura militar, instalada em 1964, alimentou a ambição de converter o Brasil em grande potência, com um programa nuclear que demorou três décadas para erguer duas centrais, a construção de duas das cinco maiores hidrelétricas do mundo e estradas para colonizar a Amazônia. A rodovia Transamazônica, projetada para atravessar o Norte do país até a fronteira com a Colômbia, mas incompleta e com longos trechos intransitáveis, ficou como símbolo dos projetos faraônicos fracassados, que ajudaram a derrubar a ditadura.

A origem da megalomania também pode ser situada na Copa do Mundo de 1950, que motivou a construção do estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, por décadas o maior estádio de futebol do mundo, onde até 180 mil espectadores viram algumas partidas, mais do que o dobro da capacidade atual.

A derrota para o Uruguai na final desse Mundial, decepção jamais esquecida pelos brasileiros, não impediu que o Brasil organizasse a Copa de 2014, construindo novos estádios e sofrendo outra derrota demolidora: sete a um diante da Alemanha na semifinal.

Agora, submerso em uma crise fiscal que durará anos, o Brasil dificilmente poderá se aventurar em novos megaprojetos. Além disso, a ilusão de que se pode queimar etapas do desenvolvimento não será a mesma depois de tantos fracassos e questionamentos ambientais, sociais e econômicos.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário