segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Reflorestamento contra degradação do solo.
Técnico do Instituto de Pesquisa Florestal do Quênia poda uma acácia no terreno seco do sítio de testes localizado em Tivu, no condado de Kitui. Foto: Justus Wanzala/IPS

Agoniado pela crescente degradação do solo que traga terras férteis, o Quênia dedica enormes esforços à recuperação de vastas zonas áridas e semiáridas a fim de deter a desertificação.

Por Justus Wanzala, da IPS – 

Nairóbi, Quênia, 27/10/2016 –  O ministro de Ambiente e Recursos Naturais, Charles Sunkuli, informou que foi lançado,em setembro deste ano,um programa para recuperar 5,1 milhões de hectares até 2030. Além disso, o país procurará estender sua cobertura florestal dos atuais 7% de seu território para um mínimo de 10%.

“Criamos um fundo de compensação para ajudar as comunidades que vivem em terras secas e degradadas a ganharem a vida e participar das iniciativas de recuperação”, disse Sunkuli, por ocasião da 15ª sessão do Comitê de Revisão da Implementação (CRIC15) da Convenção das Nações Unidas para a Luta Contra a Desertificação (UNCCD), realizada em outubro, em Nairóbi, capital do país.

O reflorestamento acontecerá principalmente em zonas áridas e semiáridas, que constituem 80% do território do país, mas também se estenderão a outras áreas.Para conseguir esse ambicioso objetivo, o ministro informou que está se implantando um programa para promover o plantio de espécies de árvores tolerantes à seca, como Melia volkensii (conhecida no país como mukau), nas zonas áridas.

O Quênia investe muito em pesquisa de árvores resistentes à falta de água para reflorestar as zonas secas e melhorar as fontes de renda das populações locais.Em Tiva, no árido condado de Kitui, no leste do país, o Instituto de Pesquisa Florestal do Quênia (Kefri) criou um centro de pesquisa para cultivar duas espécies ideais para plantar em regiões áridas e semiáridas, com apoio do governo e da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica).

O diretor do Programa de Pesquisa da Ecorregião Árida do Kefri, James Ndufa, explicou que o crescimento da população e a transformação da selva em terras férteis para cultivar levaram a um uso pouco sustentável do solo e contribuiu para a degradação e a desertificação.E acrescentou que o centrode pesquisa de Tiva se concentra em adaptar duas espécies de árvores às condições mais quentes e mais secas, para que as zonas áridas se adaptem à mudança climática”.

A reprodução acontece pelo método convencional de selecionar as espécies que prosperam nas condições desejadas. A ideia é distribuir entre os agricultores as sementes melhoradas geneticamente de árvores tolerantes à seca, de rápido crescimento e que oferecem madeira de boa qualidade, além de forragem para os animais, destacou Ndufa. Com o tempo, a iniciativa permitirá recuperar as áreas degradadas e conservar a diversidade biológica, acrescentou.

A análise do DNA ocorre durante a seleção, e o enxerto é praticado para conseguir os resultados desejados. Assim, criaram uma horta de sementes e um sítio de provas das espécies modificadas de mukau e acácia. O projeto, iniciado em 2012, permite distribuir as sementes melhoradas geneticamente das duas espécies entre os agricultores.Além da Jica, o Kefri conta com a colaboração dos Serviços Florestais do Quênia, de universidades quenianas, do Instituto de Pesquisa de Florestas e Produtores Florestais do Japão e da japonesa Universidade de Kyushu.

O centro de pesquisa fica em uma zona semiárida que recebe apenas 700 milímetros de chuva por ano. Os produtores só conseguem magras colheitas, o que gera uma pressão sobre os recursos naturais pela consequente superexploração. Ndufa explicou que as comunidades locais dependem do corte de árvores, que usam para fazer carvão e vendê-lo em Nairóbi, o que acelera o desmatamento e a degradação do solo. Além disso, outros grupos de pessoas, de forma deliberada, recolhem areia e prejudicam a vegetação, o que também degrada a terra.

A madeira de mukau é vendida pelo equivalente a um dólar por pouco menos de meio metro. “E pode-se cultivar cerca de 400 árvores em um hectare, que quando maduras podem gerar entre US$ 200 mil e US$ 500 mil”, acrescentou Ndufa. As duas espécies com as quais trabalham foram superexploradas. A mukau, cuja madeira é roxa, tem valor equivalente ao mogno e é a preferida pelos fabricantes de móveis, enquanto a acácia é valiosa pelo carvão.

O objetivo é desenvolver árvores de rápido crescimento, que possam ser cortadas em 15 ou 20 anos. Foram plantadas cerca de três mil mukau e mil acácias em cem hectares do sítio de provas de Tiva, e já foram coletados aproximadamente 2.500 quilos de sementes.

Também são estudadas outras duas espécies com folhas mais duradouras, para que sirvam de forragem para os animais, especialmente para as cabras. O projeto também conta com atividade de extensão para distribuir as sementes e conscientizar sobre a importância das árvores,por meio de visitas de campo, demonstrações agrícolas e dias de campo.

Verónica Kioko, residente em Kitui, opinou que o pouco interesse demonstrado pelas árvores em algumas áreas pode estar relacionado com a insegurança alimentar e a pobreza. Os agricultores receberam a informação sobre os benefícios de plantar árvores, mas para eles é difícil esperar de 15 a 20 anos até ficarem prontas para o corte. De fato, as cortam principalmente para fazer carvão, mesmo antes de estarem maduras, ressaltou.

A seca e a fome exacerbam a situação. “As pessoas costumam ficar sem alimentos em caso de má colheita, e, não tendo dinheiro, cortam as árvores para fazer carvão e vendê-lo barato”, explicou Kioko. No tocante à acácia, Ndufa disse que a ideia é desenvolver uma variedade que produza muitas ramas e folhas para alimentar as cabras e os camelos, e madeira.

No entanto, para lutar contra a desertificação e a degradação são necessárias intervenções em escala nacional e transfronteiriça,  apontou Frank Msafiri, presidente do capítulo queniano da rede East African Sustainability (SusWatch), que reúne várias organizações da África oriental.

A grande preocupação é que a elevada pobreza, a pouca disponibilidade de água, o desmatamento e a degradação do solo avivem os conflitos, observou Msafiri. “Os atores de setores como água, silvicultura e agricultura, bem como dos centros de pesquisa da África, não devem perseguir estratégias contraditórias, mas harmonizá-las sob o guarda-chuva da gestão sustentável da terra”, explicou.

Por sua vez, a secretária executiva da UNCCD, Monique Barbut, disse no CRIC15 que muitos países que se dedicam à recuperação florestal conseguem resultados positivos. Ao citar o exemplo da Etiópia, afirmou que a terra recuperada graças a um plano específico suportou a seca provocada pelo fenômeno El Niño, que afetou a região da África austral e oriental no ano passado.


Fonte: ENVOLVERDE
Campanha anticorrupção pressiona políticos.
Deltan Dalagnol é procurador da República e coordenador da força-tarefa daOperação Lava Jato, que investiga e julga crimes de corrupção envolvendo a Petrobras. Foto: Pedro de Oliveira/Fotos Públicas
Por Mario Osava, da IPS – 

Duas novas fontes de informação nas mãos do Ministério Público ameaçam deixar em colapso o sistema político do Brasil, dilacerado pelo escândalo de corrupção que já levou à prisão mais de 60 empresários e políticos.

Rio de Janeiro, Brasil, 27/10/2016 – A detenção, no dia 19 deste mês, do ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, pode abrir uma caixa de Pandora, segundo a crença generalizada sobre seu estilo de liderança, apoiado por negócios obscuros.

As revelações de Cunha, que fez carreira no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),podem fulminar o novo governo encabeçado por Michel Temer. A isso se soma o acordo do conglomerado Odebrecht, que reúne a principal construtora, a maior petroquímica privada do país e outras grandes empresas, para colaborar com a justiça nas investigações sobre desvio de milhares de milhões  de dólares da Petrobras.

Cerca de 50 diretores da Odebrecht fornecerão dados sobre subornos e financiamento ilegal de campanhas eleitorais que podem envolver mais de 200 dirigentes políticos de destaque, segundo uma lista conhecida desde março deste ano. O grupo empresarial tinha um departamento só para cuidar das transações irregulares.

Marcelo Odebrecht, que presidia o grupo até ser detido, em junho de 2015, resistiu à “delação premiada” para reduzir penas, e à qual já aderiram mais de 50 acusados na Operação Lava Jato. Foi convencido por seu pai, Emilio Odebrecht, patriarca da família e presidente do conselho de administração das empresas, para evitar a quebra do grupo.

A Lava Jato, iniciada em março de 2014, é até agora a operação mais efetiva contra os empresários, porque a maioria dos políticos envolvidos desfruta de fórum privilegiado. Parlamentares e membros do Poder Executivo, como o presidente e governadores, só podem ser julgados pelo Superior Tribunal Federal (STF), cujos julgamentos costumam demorar anos, pelo acúmulo de tarefas, incluindo a de dirimir controvérsias constitucionais.

Por isso, dezenas de parlamentares seguem ativos, mesmo estando imputados ou denunciados em vários processos judiciais, não só na Lava Jato. É o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros, sob investigação em cerca de dez casos de corrupção e lavagem de dinheiro.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, em entrevista coletiva, protestando contra a presença de membros da Polícia Federal nessa casa legislativa, para deter quatro policiais do Senado acusados de obstrução das investigações sobre corrupção de parlamentares. Foto: Cortesia EBC (Empresa Brasileira de Comunicação).

O mecanismo também permitiu a Cunha permanecer como presidente da Câmara por um ano e meio, apesar das denúncias de manter contas ilegais na Suíça e abusar de seus poderes para travar os trâmites da Comissão de Ética, que discutia a possibilidade de anular seu mandato parlamentar.

Foi necessário o STF, em decisão de duvidosa constitucionalidade, suspender sua presidência da Câmara para a conclusão do processo que durou 11 meses, período sem precedentes, até condená-lo por violação do decoro parlamentar e afastá-lo da vida pública por oito anos.

Não tiveram essa sorte dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil de 2003 a 12 de maio de 2016, quando a ex-presidente Dilma Rousseff foiafastada do cargo para responder ao processo de impeachment, que terminoucom sua destituição no dia 31 de agosto.Além disso, estão presos José Dirceu e Antonio Palocci, ex-deputados e ex-ministros do partido, apontados como possíveis sucessores de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente entre 2003 e 2010.

Sem mandato parlamentar ou cargo no governo, foram presas fáceis do juiz Sergio Moro, que coordena a Lava Jato e recebe elogios como grande herói do combate à corrupção no país.E o mesmo poderá ocorrer com Lula, acusado em três processos como receptor de vantagens indevidas de empresas favorecidas em contratos com a Petrobras e sob investigação em outros casos de corrupção. 

Em uma suposta lista da Odebrecht, aparece como beneficiário de R$ 8 milhões, segundo a imprensa.

Lula rechaça as acusações e as atribui a uma tentativa de destruir o PT e seu “projeto político”, que beneficiou milhões de brasileiros pobres.As “delações” de Cunha e dos executivos da Odebrecht multiplicariam as denúncias contra políticos de todos os partidos relevantes, dificultando a sobrevivência de líderes parlamentares e arruinando ainda mais a já escassa credibilidade dos políticos brasileiros.

Além disso, a pressão popular para que o STF julgue com mais rapidez os parlamentares, ministros e governadores envolvidos em casos de corrupção pode chegar a ser irresistível.De fato, está em jogo todo o sistema político construído desde a década de 1980, quando caiu a ditadura militar instalada no Brasil desde 1964.

O próprio presidente Temer, que é próximo a Cunha, foi mencionado em delações premiadas como receptor de dinheiro proveniente de corrupção para financiar campanhas eleitorais do PMDB, partido que tende a ser o principal alvo das novas denúncias, como o PT tem sido até agora.

A tensão gerada por esta nova fase da campanha anticorrupção agravou os conflitos entre os poderes Legislativo e Judiciário.O presidente do Senado defende a aprovação de uma nova lei que puna abusos de autoridade, delitos que, em sua opinião, aumentam entre órgãos de Justiça, como o Ministério Público, a Polícia Federal e inclusive entre alguns juízes.

O projeto procura frear o combate à corrupção, segundo Moro e os procuradores, acusados por seus críticos de excederem os limites legais com ações como prisões preventivas durante meses, interrogatórios sob condução coercitiva injustificada de muitos suspeitos, inclusive do ex-presidente Lula, e vazamento de depoimentos secretos.

O Ministério Público propôs dez medidas de combate à corrupção em um projeto de lei apoiado por dois milhões de eleitores signatários. Os parlamentares, já ameaçados pelas investigações conduzidas por Moro tenderiam a rechaçar a proposta, mas também temem desafiar a opinião pública.

As discrepâncias degeneraram em um conflito com a detenção de quatro policiais do Senado, no dia 21 deste mês. Renan Calheiros chamou de “fascistas” os métodos da Polícia Federal, que executou a ação. Um simples “juizeco” de primeira instância não poderia autorizar a invasão do Poder Legislativo como foi feito, queixou-se, o senador.

A deterioração da situação torna mais urgente uma reforma política, uma cobrança generalizada há tempos, mas, com centenas de políticos lutando para sobreviver, parece impossível que os parlamentares aprovem soluções expiatórias.


Fonte: ENVOLVERDE
Renovável supera carvão.
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Por Camila Faria, do OC –

Participação global na matriz deve subir 42%, superando previsão anterior, diz Agência Internacional de Energia; crescimento, porém, ainda não está alinhado com meta do Acordo de Paris.

A AIE (Agência Internacional de Energia) afirmou nesta terça-feira (25) que o crescimento de energias renováveis irá superar significativamente as previsões anteriores para os próximos cinco anos: as fontes renováveis seguirão com o maior crescimento em geração de eletricidade, com uma participação que deve evoluir de 23% em 2015 para 28% em 2021. Em 2015, elas ultrapassaram o carvão como maior fonte de capacidade instalada no planeta.

A capacidade global em energia renovável (que inclui geração de eletricidade, transportes e aquecimento) deverá subir em 42%, ou 825 gigawatts, durante o período, números 13% maiores do que os estimados pela própria agência em 2015. No ano passado, foram 153 gigawatts gerados, valor maior que a capacidade total instalada do Canadá. A maior parte veio de energia solar e eólica. Em 2015, duas turbinas eólicas foram instaladas por hora apenas na China.

Em seu relatório de médio prazo do mercado de energia, a agência estima que, durante o período, as renováveis devem responder por mais de 60% da energia elétrica adicional instalada globalmente, com níveis diferenciados de acordo com o local. Em nações mais desenvolvidas, a tendência é que os aumentos nessa geração sejam maiores do que o crescimento da demanda por energia, o que contribui para a descarbonização do setor no Reino Unido e EUA, por exemplo. A líder global da expansão, porém, continuará sendo a China, que representa aproximados 40% do crescimento, devido a preocupações com a poluição do ar além da questão climática. Em 2015, foram instaladas duas turbinas eólicas por hora no país.

O aumento da taxa esperada de crescimento se dá especialmente por políticas públicas nos Estados Unidos, China, India e México e a uma queda nos custos, que devem diminuir em 25% para a energia solar e 15% para energia eólica em terra. A tendência de queda é explicada pelo avanço da tecnologia, melhores condições de financiamento e a expansão para novos mercados de recursos renováveis. “Estamos testemunhando uma transformação de mercado global e, como em outros campos, o centro de crescimento dos renováveis está migrando para mercados emergentes”, afirmou o diretor-executivo da Agência, Faith Birol.

A agência afirma que o crescimento das renováveis no setor de eletricidade, especialmente a solar fotovoltaica e a eólica, está em linha com as metas climáticas submetidas pelos países no Acordo de Paris. No entanto, esse crescimento ainda não basta para alinhar o mundo com o objetivo global de estabilizar o aquecimento global em menos de 2oC neste século.

“Manter o aumento de temperatura bastante abaixo dos 2ºC exigirá mais políticas para descarbonização e reforço dos recursos renováveis nos três setores: aquecimento, transporte e energia”, aponta o relatório. Especificamente no setor elétrico, medidas adicionais de redução de custos de financiamento em mercados como Brasil, China, EUA, Índia e União Europeia poderiam aumentar em 29% a capacidade de crescimento prevista para o período até 2021, aponta o estudo. No Brasil, as condições macroeconômicas deterioradas são apontadas como principal limitante à aceleração das renováveis.

Para os biocombustíveis, outro setor que interessa ao Brasil, a projeção até 2021 é pouco otimista: sua participação no setor de transportes deve oscilar marginalmente, de 3% em 2015 para 4% em 2021. Em parte, isso se deve à queda do preço do petróleo, que reduziu a atratividade desses combustíveis.


Diagnóstico do desastre.
Por Redação do Greenpeace Brasil –
Conheça os estudos independentes do seminário Rio de Gente que vão nortear os debates sobre os impactos sociais e ambientais da lama no Rio Doce.
Bento Rodrigues engolida pela lama. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace

Pouco mais de um mês após 40 bilhões de litros de lama da Samarco causar um rastro de 650 km de destruição, a mobilização de organizações e artistas que gerou o projeto Rio de Gente conseguiu arrecadas cerca de R$ 450 mil reais em dois shows beneficentes. O acordo foi que esses recursos seriam investidos em estudos e monitoramento independentes para avaliar os reais impactos em toda a extensão do Rio Doce. Agora, um ano depois do desastre, chegou a hora da primeira “prestação de contas”.

Os seis estudos selecionados nas áreas de água, fauna, flora, saúde, impacto sociais e direitos humanos, realizados por pesquisadores de diversas universidades brasileiras, ainda não estão prontos – a previsão é que as conclusões saiam em janeiro – mas os resultados parciais serão compartilhados durante o “Seminário Rio de Gente: os desafios da recuperação do Rio Doce”, que realizaremos nos dias 31/10 e 1/11, no campus da UFOP, em Mariana (MG).

A intenção é que os novos dados ajudem a alimentar o debate com especialistas e a comunidade sobre como impulsionar a recuperação do Rio Doce. “Queremos ter uma discussão com a sociedade para que ela se aproprie desses estudos e os use em suas reivindicações, tendo mais embasamento para as medidas de reparação”, diz Fabiana Alves, da Campanha de Água do Greenpeace.

Em todas as expedições, entrevistas e rodas de conversa realizadas, as equipes relataram que foram muito bem recebidas, seja pelos agricultores como os moradores das cidades visitadas. “Isso deixa claro a carência de apoio e o anseio de respostas por parte da população”, afirma Fabiana.
Conheça a seguir os objetivos de cada pesquisa e o que elas pretendem responder.

Que água é essa?

Em julho deste ano, uma equipe de sete pesquisadores da UFRJ, sob a coordenação do doutor em Biofísica Ambiental João Paulo Machado Torres, realizou sua primeira expedição para detectar possíveis contaminações na água usada para irrigação e consumo animal nas propriedades de agricultores familiares da bacia do Rio Doce. Foram coletadas amostras em 48 pontos diferentes ao longo de 300 km da região para determinar a presença de metais pesados como chumbo, arsênio, mercúrio, manganês e cádmio.
Ter dados confiáveis é o primeiro passo para avaliar os impactos reais na vida das pessoas e na natureza. Foto: Todd Southgate / Greenpeace

O que os animais revelam?

Alguns bichos, por serem tão sensíveis ao lugar que vivem, funcionam como bioindicadores, ou seja, conseguem transmitir as condições ou alterações do ambiente natural. É por isso que pesquisadores da UFBA e da UEFS, liderados pela doutora em Zoologia Flora Juncá, se voltaram com tanta atenção para girinos, peixes, crustáceos e bivalves (animais que possuem duas conchas) expostos às áreas de rejeitos em 15 pontos da bacia do Rio Doce. Após coletar esse animais, eles analisam se esses animais estão acumulando metais em seus organismos.

Como ter a floresta de volta?

Quando a barragem se rompeu, a onda de lama varreu e soterrou o que estava pela frente, incluindo a vegetação e áreas agrícolas, criando uma grossa camada de barro e rejeito de mineração de ferro sobre o solo original. Qual a forma mais efetiva de recuperar as florestas nessas condições é o que a pesquisa conduzida pelo doutor em Biologia Vegetal e professor da Esalq/USP Ricardo Rodrigues e sua equipe pretende avaliar.

Para isso, propriedades rurais da região servirão de experimento para testar diferentes metodologias de restauração. Elas serão comparadas, levando em conta os custos de implantação e manutenção e sua eficiência nas condições ambientais ali existentes. Para isso, integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) se propuseram a conseguir a mão-de-obra dentro do próprio movimento e as espécies da Mata Atlântica serão fornecidas por uma empresa de Governador Valadares, cujo viveiro pode produzir até um milhão de mudas por ano.
Como fazer a floresta rebrotar da lama é um dos objetivos da pesquisa. Foto: Victor Moriyama / Greenpeace

O quanto a vida mudou?

Nem só o ambiente foi alterado. O impacto da lama, além de causar 20 mortes, incluindo um aborto, alterou profundamente a vida das pessoas, mas quanto? Por meio de questionários e entrevistas, rodas de conversa e observações em espaços de interação, a investigação desenvolvida pela cientista social Flávia Amboss Merçon Leonardo, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento no Espírito Santo (GEPPEDES), busca traçar a dimensão social do desastre, mensurando o impacto no cotidiano, nos modos de trabalho e no lazer dos atingidos que vivem na região da foz do Rio Doce, no litoral do Espírito Santo.
A lama também atingiu histórias de vidas que lutam para não desaparecer. Foto: Todd Southgate / Greenpeace

Quais os riscos para a saúde?

Mesmo após a tragédia, a lama continua afetando os moradores, que sofrem com doenças de pele e problemas respiratórios, sem que a Samarco e os órgão oficiais divulguem dados confiáveis sobre os efeitos para a saúde. E é justamente isso que a avaliação conduzida pela doutora em Patologia e diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, Evangelina Vormittag, pretende identificar. A intenção é que, com dados claros sobre os impactos na saúde física e mental, o estudo a partir de três mil habitantes de Bento Rodrigues e Barra Longa possa orientar as ações e auxiliar os governantes em suas escolhas sobre políticas e programas prioritários para reduzir os danos em saúde e a gravidade das repercussões futuras.
O povo Krenak, às margens do Rio Doce, é uma das vítimas mais frágeis da tragédia. Foto: Nicoló Lanfranchi / Greenpeace

Como amparar os mais fracos?

Entre tantos afetados, o povo Krenak está entre os mais vulneráveis. Para avaliar os danos aos direitos humanos da comunidade indígena, a pesquisadora Leticia Soares Peixoto Aleixo, da UFMG, tem visitado as aldeias para estudar como a lama impactou a vida dos índios, identificar as consequências jurídicas e as medidas judiciais e extrajudiciais capazes de reparação a esse povo que vive às margens do Rio Doce e já foi tão castigado no convívio com a sociedade.


Energia: são dois pra lá, dois pra cá?
Foto: Shuttertsock

Por Washington Novaes*

Seguimos em busca de uma política eficiente de fontes renováveis, garantidoras do futuro.

Complicado país é o Brasil. A Eletropaulo afirma ser favorável ao enterramento da fiação elétrica na cidade de São Paulo – que tantos benefícios pode trazer –, mas ao mesmo tempo se levantam questões quanto à oneração das tarifas, pois os consumidores fora da capital também teriam de pagar pelo enterramento, que dobraria suas contas de luz sem eles terem os mesmos benefícios. Tudo isso está no âmbito da lei paulistana que determina o enterramento da fiação em 250 quilômetros lineares de fios por ano, ao custo de R$ 100 bilhões e “33 anos de obras”, como observou este jornal (22/10). A empresa tem 41 mil quilômetros de rede elétrica em toda a sua área de concessão, dos quais 3 mil em circuitos subterrâneos.

Enquanto isso, 21 organizações e redes da sociedade civil pediam ao presidente da República que vetasse o programa de estímulo às termoelétricas a carvão, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional, inserido como artigo na Medida Provisória (MP) 735/2016, que regula privatizações no setor elétrico (Observatório do Clima/Instituto Socioambiental, 22/10). Não bastasse, a MP cria estímulos à “modernização do parque elétrico brasileiro movido a carvão mineral, para implantar novas usinas que entrem em operação entre 2023 e 2027”. Ou seja, o Congresso estimula novas usinas movidas a carvão, movendo-se na direção contrária à de quase todo o mundo, que está fechando usinas a carvão e proibindo novas – por causa de suas emissões de poluentes que afetam o clima global e prejudicam o ambiente dos usuários. Sem falar em descumprimento do acordo do clima de Paris, que o Brasil já assinou, para evitar que as usinas a carvão continuem a responder por 46% dos gases de efeito estufa emitidos por uso de energia no planeta.

No Brasil, essas emissões de gases-estufa no setor elétrico aumentaram nove vezes entre 1990 e 2014; só entre 2011 e 2014 mais do que dobraram (de 30,2 milhões para 82 milhões de toneladas de dióxido de carbono); as térmicas a carvão, sozinhas, contribuíram com 22% das emissões do setor elétrico nacional em 2014. Para cumprir a parte que lhe cabe no acordo climático global o Brasil não pode expandir as térmicas a óleo e carvão. E precisa, dizem as organizações civis, chegar a uma matriz energética 100% renovável em 2050 – quando a União Europeia já terá conseguido até banir veículos movidos a petróleo (independent.co.uk/news, 13/10).

Por aqui, no Ceará, por exemplo, ONGs movimentam-se para impedir que a Assembleia Legislativa aprove mensagem do Executivo que prevê a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o gás natural consumido por usinas termoelétricas instaladas no Estado. ONGs movimentam-se também para exigir o fim do investimento em combustíveis para a termoelétrica de Pecém (naofrackingbrasil.com, abril de 2016). Segundo o professor Alexandre Costa, da Universidade Estadual, “o Ceará já é o segundo maior produtor de gases do efeito estufa no Brasil” no setor de geração de eletricidade (só perde para o Rio de Janeiro).

Já a Petrobrás, que não teve êxito em sua tentativa de vender no mercado as suas térmicas, mudou a estratégia ao agrupar todas as unidades em uma única empresa, com capacidade instalada de 6.239 megawatts (Folha de S.Paulo, 27/9). Juntas, elas formam a sexta maior empresa em geração no setor elétrico.

É possível que o panorama no setor mude com a decisão do BNDES de não mais financiar usinas a óleo e carvão, grandes hidrelétricas e termoelétricas, ao mesmo tempo que aumenta de 70% para 80% os financiamentos para usinas solares (Estado, 3/10). Pela nova política, as áreas com maior presença do BNDES serão as de energia solar, eficiência energética e iluminação pública, com participação de até 80% dos itens financiáveis. Na energia solar, a participação no financiamento para geração passa de 70% para 80%; na eficiência energética continua em 80%; nas eólicas, na biomassa, na cogeração e em pequenas centrais hidrelétricas a participação poderá ser de 70%. Nas grandes hidrelétricas, a participação caiu de 70% para 50% (3/10). Térmicas a carvão e óleo combustível “não serão apoiadas”. No setor de distribuição de energia a participação do banco foi mantida em até 50%.

O setor do carvão protestou por intermédio do presidente de sua associação, lembrando que o Brasil tem 13 usinas a carvão em operação, com 3.389 MW de potência (2,4% de toda a potência elétrica no País). Já o ministro Sarney Filho, do Meio Ambiente, “comemorou” a decisão do BNDES que dá prioridade ao financiamento de energias alternativas e à suspensão do crédito para usinas a carvão e óleo combustível (MMA.gov.br, 6/10). Projetos de fontes renováveis de geração de energia poderão ter financiamento de até 80% e juros mais baixos.

Outra derrota das termoelétricas no segundo semestre se deu com a decisão do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região que, depois de três anos, concedeu a 250 geradores de energia elétrica o fim da obrigação de pagar uma taxa para financiar o uso de termoelétricas (Eco-finanças, 13/6); a obrigação agora ficou restrita aos consumidores finais, que deverão pagar toda a conta (entre 2013 e fevereiro de 2016, ela atingiu R$ 16,5 bilhões).

E chega-se a este final de outubro com mais uma polêmica, diante da decisão de duas das maiores térmicas a carvão no País – Pecém I e II, que operam no Ceará – de comunicar à Agência Nacional de Energia Elétrica (Estado, 19/10) que não terão condições de continuar em funcionamento caso o preço da energia que vendem não seja reajustado para acompanhar a alta do preço da água no Estado.

É em meio a esse imbróglio permanente que seguimos no País em busca de uma política adequada, eficiente, de fontes renováveis, garantidoras do futuro. Não basta ter dois pra lá, dois pra cá.

* Washington Novaes é jornalista (e-mail:wlrnovaes@uol.com.br).


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O remédio para um planeta doente está nas florestas.

Fotos: Rosi Masiero

Por Júlio Ottoboni*

As mudanças climáticas de origem antrópica têm apresentado seus efeitos em extremos climatológicos no Brasil, como a intensificação severas tempestades e tornados no Sul, secas prolongadas no Sudeste e a mudança do ciclo das chuvas na Amazônia, diminuição no número de rios perenes e em seus volumes hídricos. Os riscos são imensos de um colapso ambiental.

O que era alarmismo para setores da sociedade e, inclusive no universo científico, se revela uma triste realidade que vagarosamente se instala em muito pela morosidade aflitiva das ações governamentais em mitigar a situação já preestabelecida, com seus infindáveis acordos do clima e quase nenhuma atividade prática e permanente.

As florestas foram surgindo dentro do cenário científico como biomas complexos e fundamentais para a manutenção da vida planetária. O que foi entendido durante séculos como algo a ser explorado e mesmo erradicado, pois se tinha como nociva ao desenvolvimento econômico, as matas são hoje compreendidas com a redenção planetária.

O conceito místico de “árvore da vida”, que precede a alegoria bíblica com a visão de ‘paraíso’, é encontrado entre os babilônicos e egípcios antigos entre outros povos. Ou seja, o simbolismo da árvore sempre esteve ligado a algo sagrado e íntimo à vida, a existência de todas as espécies.

Como ramos distintos de uma mesma árvore, a ciência comprova o religioso. As primeiras plantas que surgiram no ambiente terrestre há 470 milhões de anos e passaram a mudar o clima terrestre ao sequestrar dióxido de carbono da atmosfera e depositar uma quantidade imensa de oxigênio na atmosfera.

O fóssil de árvore mais antigo já encontrado data de 385 milhões de anos, de uma provável floresta tropical estabelecida na latitude da Inglaterra. A espécie não tinha folhas, era basicamente o tronco e galhos. Contudo absorvia dióxido de carbono e ajudava a esfriar o planeta. Uma coisa é dada com certa pela ciência, entre 251 milhões e 199 milhões de anos atrás a Terra estava coberta de árvores e plantas com flores.
Os primeiros vegetais terrestres são ancestrais do musgo moderno, que se espalharam pelas encostas rochosas e úmidas. O alimento era extraído dessas superfícies, como o cálcio, magnésio, fósforo e essas criaturas geravam reações químicas.

Essa pesquisa feita pelas universidades de Exeter e Oxford, ambas sediadas no Reino Unido, essas atividades químicas, em larga escala, levaram ao surgimento da vida como existe hoje.

“Esse estudo demonstra o poder que as plantas têm no clima. Mas, apesar de elas continuarem esfriando a Terra até hoje ao reduzir os níveis de dióxido de carbono, elas não conseguem acompanhar a velocidade com que o ser humano produz o CO2. Na verdade, seriam necessários milhões de anos para que o CO2 que nós produzimos fosse processado pelas plantas”, afirmou Tim Lenton, um dos autores da pesquisa ‘First plants cooled the Ordovician’, publicada na revista Nature Geoscience em 2012.

Conflito homem versus natureza

O conflito entre homem e natureza foi se agravando ao longo dos milênios até alcançar os dias atuais. Os extremos climáticos, um dos efeitos do aquecimento global, criou uma nova realidade mundial que exige uma resposta dos governos numa realidade incompatível com o cipoal burocrático e de interesses diversos aos quais estão envolvidos.

Entretanto, a iniciativa privada se antecipou na aplicação de soluções exibidas para o problema e hoje consegue dar exemplos a todo o planeta de como o conceito de sustentabilidade, de preservação e conservação podem acompanhar harmoniosamente o desenvolvimento econômico e produtivo.

O cuidado com o meio ambiente natural atraí valores que acabam agregados às empresas, marcas e produtos. Dentro de seus projetos de sustentabilidade passaram a ações decisivas, como áreas preservadas intocadas, restaurar outras degradadas na recomposição de biomas nativos, criação de núcleos de estudos sobre a flora, fauna, atendimento às populações nativas entre uma infinidade de outras atividades.

O empresariado teve a sensibilidade para compreender que o mundo clama por atitudes neste sentido e o mercado reage positivamente quando essas novas interferências restauradoras e de harmonização são apresentadas.

“No passado a gente deixou aos políticos e trabalhadores sociais a solução dos problemas do mundo, e os negócios somente criavam empregos e riqueza. Penso que agora muitos líderes de negócios tem se dado conta de que todas as empresas devem tornar-se uma força para o bem”, como salientou o fundador e CEO do Grupo Virgin, o megaempresário britânico Richard Branson.
Metade das florestas destruídas

Desde o início do processo civilizatório humano se devastou algo em torno de 46% de todas as árvores existentes. Os níveis de destruição não desaceleraram mesmo com os alertas mundiais e as consequências das mudanças no clima já sentidas. O desflorestamento e outras práticas ilegais contribuem por ano para a perda de 15 bilhões de árvores. Só na Amazônia brasileira são 3 milhões por dia.

O apelo de Branson parece ter surtido efeito. Atualmente, o melhor exemplo vem do setor privado e das empresas engajadas no objetivo de constituir um planeta melhor, onde a vida prospere sob alicerces científicos e responsabilidade socioambiental.

O cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e uma das maiores autoridades mundiais em ciências da terra, Antonio Donato Nobre, é dos que tem alertado para a necessidade de se preparar para o novo modelo de clima na região e sobre a necessidade urgente de ações mitigadoras.

“Existe uma vasta literatura sobre o assunto, os eventos extremos vão aumentar de frequência e intensidade com as mudanças climáticas globais. Temos pelo menos 20 anos de alertas dados. Não era mais fácil termos cuidado do clima planetário, termos preservado nossas florestas, termos replantado o que foi destruído?”, questionou Nobre.

Um remanescente que se traduz em esperança

A resposta ao questionamento do cientista está sendo dada pela Votorantim. Ela tomava forma desde os anos 50, quando o empresário Antonio Ermírio de Moraes, resolveu comprar cerca de 250 títulos de propriedade na bacia do rio Juquiá, no Vale da Ribeira. Nesta época, a economia do pós-guerra avançava sobre os recursos naturais com a mesma voracidade que bombas e tanques variam cidades e país do mapa mundial. Conservacionismo era a antítese da nova ordem global, voltada à reconstrução e o estabelecimento de um novo ciclo industrial.

No entanto, ele construiu as sete hidrelétricas que necessitava dentro da área para abastecer a Companhia Brasileira de Alumínio. E surpreendeu ao deixar a floresta intocada em seus 310 quilômetros quadrados – atualmente o maior segmento contínuo de Mata Atlântica existente.

Surgia então, localizada entre a Serra de Paranapiacaba e os Parques Estaduais da Serra do Mar e do Jurupará, uma das mais ousadas ações ambientais do Brasil e exemplo hoje a ser exportado para o mundo. Surgia ali o que mais tarde seria denominado de reserva ambiental particular.

Estabelecida oficialmente em 2011, num acordo com o governo de São Paulo a Reserva Votoratim-Legado das Águas será aberta para visitação pública em 2017 e turismo científico, num leque imenso de possibilidades ainda estudadas e projetadas. Entretanto, houve um caminho a ser percorrido até se alcançar esse estágio.

Em 2012, teve inicio no local os primeiros estudos científicos e por meio de uma parceria com o governo paulista houve a condições de combinar a proteção ambiental e a utilização dos recursos naturais de forma sustentável. Desta maneira serão possíveis ações de geração de renda, trazendo desenvolvimento as comunidades e melhorias na qualidade de vida dos habitantes da região, onde se encontram os três municípios abrangidos pela reserva, Juquiá, Miracatu e Tapiraí. Todos eles possuem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo da média nacional.

Interesse científico

O Legado das Águas corresponde atualmente a 1,5% de toda a Mata Atlântica residual no território de São Paulo. Por ter sido preservada por mais de meio século, sua biodiversidade guarda espécies raras e endêmicas de animais, flores, árvores dentro da mata com um dos biomas mais complexos e ricos do planeta.

O interesse científico por esse trecho da Mata Atlântica é hoje proporcional à importância de sua preservação. A reserva Legado das Águas tem um plano estratégico de gestão, no qual as pesquisas científicas sobre flora possibilitaram a publicação do primeiro guia de espécies de Mata Atlântica e o mapeamento genético de 50 espécies do lugar.

A fauna é alvo de pesquisas como o mapeamento de carnívoros, além de estudar exclusivamente o macaco muriqui, uma espécie endêmica da Mata Atlântica e em risco de extinção. Desde o inicio em 2011 mais de 45 pesquisadores, contando turmas de graduação, mestrado e doutorado produziram trabalhos junto à reserva. Alguns estudos mostraram que 75% da área estão em excelente estado de conservação e os outros 25% se encontram em regeneração.

A empresa Votorantim mantém uma infraestrutura para pesquisadores interessados em conduzir projetos de conservação ambiental. Entre eles se encontra a pesquisa sobre Conservação dos Carnívoros Neotropicais, que contempla as onças-pintadas e pardas. Também são estudadas espécies da flora nativa, que possibilitou a criação de um viveiro de mudas e avanços em estudos sobre as orquídeas. Outro aspecto científico importante é o mapeamento genético da biodiversidade local.
Além de ser o ambiente propício para a realização de estudos e pesquisas permanentes sobre a fauna e a flora, essa reserva deve ter ainda atividades nas áreas de educação ambiental, compensações florestais, biotecnologia, turismo ecológico e científico.

A direção da reserva já colocou em prática os primeiros ensaios sobre o potencial turístico da região, que busca estabelecer uma estreita integração com as prefeituras dos municípios com territórios integrados na área de reserva. Para essa proposta se concretizar, tem auxiliado na aplicação de programas de melhoria da gestão pública e trabalhos com a comunidade.

Em dezembro do ano passado foi revalidado o protocolo de intenções assinado em 2012 com o governo de São Paulo. Entre as novidades está o foco no viveiro de mudas, no qual serão multiplicadas espécies a partir de matrizes selecionadas dentro da floresta da reserva.

Essa será a primeira experiência que envolverá as comunidades locais. E um de seus objetivos é contribuir na eliminação da coleta clandestina de espécies muito visadas comercialmente, como palmitos-juçara e orquídeas.

Outra proposta no uso comercial da reserva com incrementos no meio ambiente natural é o arrendamento de áreas para compensação ambiental, atualmente prevista na nova composição do Código Florestal. A proposta é oferecer 1 mil hectares da área da reserva para empresas com demandas voltadas a compensação ambiental. Esse segmento ainda é insipiente no país, mas tende a crescer e tornar-se um modelo para a conservação florestal.

Aporte de recursos

Em 2015, a Reserva Votorantim – Legado das Águas recebeu investimentos na ordem de R$ 7 milhões. No entanto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou financiamento no valor de R$ 43 milhões à Votorantim S.A. para projeto pioneiro de gestão com sustentabilidade econômica e ambiental.

O investimento total do projeto é de R$ 52 milhões, o qual possibilitará desenvolver pesquisas científicas sobre a flora e a fauna com universidades, implementar o Plano de Manejo da Reserva, criar infraestrutura para visitação, gerar emprego e renda para a comunidade da região e instalar uma Estação de Tratamento de Esgotos e outra de Tratamento de Água.

Uma das principais atividades do projeto será a restauração de áreas com espécies nativas em 810 hectares, com técnicas de plantio total, de enriquecimento da flora e sistemas agroflorestais. Para o fortalecimento desta nova cadeia produtiva, voltada para restauração do ambiente natural, parte dos investimentos será voltada aos viveiros de mudas.

No financiamento concedido à Votorantim S.A. serão utilizados recursos ordinários do Banco e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), no âmbito do Programa Fundo Clima.
Na Reserva Votorantim – Legado das Águas foi constatado a presença de animais como a jaguatirica, onça parda, anta-albina, lagarto teiú, macacos muriquis do sul, diversas espécies de aves, todos considerados raros e importantes para o equilíbrio ecológico local.

O projeto apoiado pelo BNDES i contribuirá tanto para a proteção da biodiversidade e dos recursos hídricos, como na formação de um corredor ecológico na Mata Atlântica entre parques estaduais e áreas de proteção ambiental.

A direção da reserva espera que o projeto inove no segmento de gestão de reservas ambientais, podendo ser adotado como modelo em outros biomas existentes no território nacional.

* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós-graduado em jornalismo científico com especializações em Águas Atmosféricas, Geomagnetismo, Astrofísica e tem mais de 30 anos de profissão.

Fonte: ENVOLVERDE