A era que
tarda em nascer.
Por Neuza Árbocz*, especial para a Envolverde
–
Porque podemos estar otimistas apesar de tudo.
Desmatamento no Brasil cresceu, Trump se elegeu,
OPEP visa forçar alta no preço do petróleo mais uma vez e os chamados para o
tradicional consumo desenfreado de fim de ano já se multiplicam, como se não
houvesse amanhã.
Um olhar apressado pelas principais manchetes
nacionais e internacionais pode tornar nossos corações pesados. Ainda mais se
somarmos a isso os constantes escândalos de corrupção no país e os conflitos ad
infinitum no Oriente Médio.
A impressão predominante é de que a humanidade não
tem mesmo jeito. Sai década, entra década, segue poluindo e destruindo ciclos
naturais – apesar dos insistentes avisos sobre os riscos desta conduta desde os
anos 70 – e segue apelando para a violência para resolver diferenças de crença
e valores e necessidades não atendidas.
Mas é uma falsa impressão.
Uma visão aprofundada revela motivos para
comemorarmos o estágio atual de civilização.
Nunca a barbarie foi tão condenada – mesmo se ainda
praticada em pontos isolados do planeta. O pensamento vigente no passado de que
era lícito invadir, pilhar, tomar terras e dizimar povos por terem hábitos
diferentes ou acreditarem em deuses diversos, hoje, envergonha os que o
adotaram. A ponto de vários pedidos de desculpas formais serem feitos. Não
reparam, é verdade, os crimes e abusos cometidos. Mas mostram uma mudança
radical de ética e de opinião pública.
Fatos antes comemorados como “vitórias”,
“descobertas” e “conquistas”, nos dias atuais, provocariam asco e indignação
virulenta.
Há uma grande força a favor da construção de um
mundo acolhedor, com boa qualidade de vida para todos e todas. Foto:
Shutterstock
A humanidade se volta, na sua maioria, para o
respeito a direitos humanos universais. Pelo menos em tese. O que já é um
grande avanço.
A História mostra que é preciso repetir e repetir
as lições até que os hábitos se transformem.
Há uma grande força a favor da construção de um
mundo acolhedor, com boa qualidade de vida para todos e todas. Inclusive para
as demais espécies. Essa visão se construiu durante décadas e, agora, contamos
com diversas formas concretas (e testadas) de alcançá-lo. Como nunca antes, os
“comos” começam a ser aplicados.
Pela primeira vez, desde que começamos a queimar
combustíveis fósseis, os investimentos globais em eletricidade gerada por
energias renováveis são maiores que qualquer outra fonte. Estes atingiram um
recorde de U$ 286 bilhões em 2015, mais que o dobro de dólares investidos na
geração por carvão ou gás natural.
As maiores refinadoras mundiais, Exxon, Shell, BP e
Chevron, dobraram seu endividamento nos últimos dois anos. Sinal de alerta para
investidores que, mais e mais, as abandonam em busca de negócios mais
promissores. A troca de matriz energética se torna irreversível e se reflete no
campo dos empregos. As vagas junto a energias renováveis somaram mais que o
triplo do que as em petróleo, gás e carvão, nos Estados Unidos em 2015, por
exemplo.
A adoção de carros, ônibus e trólebus elétricos
acelera em diversos países. A energia solar também se expande em velocidades
recordes. Grandes poluidores, como a China, entraram para ganhar na corrida por
uma produção limpa. A gigante asiática, inclusive, lidera os investimentos em
energia eólica e solar, atualmente.
A ‘revolução verde’ se anuncia também no aumento de
eficácia das baterias e em inovações como as impressoras 3D, que permitem
fabricar sob demanda e no próprio local do uso. O que anula desperdícios de
matéria-prima e impactos do transporte por longas distâncias.
Políticas e regras pela proteção do clima e dos
recursos naturais ganham consenso com mais agilidade nos fóruns globais, como
as COPs – Conferência entre as Partes das Nações Unidas. Pela primeira vez, o
texto aceito em Paris em 2015, pelas 197 nações integrantes da ONU, foi
ratificado em tempo recorde por um número suficiente de países, e já entrou em
vigor um ano após assinado.
Ainda não traz metas individuais que somem o total
de redução de emissões de poluentes necessárias.
Mas compromete com a
transformação dos modos de produção. Conforme esta acontece, uma boa
comunicação promete atrair fatias consideráveis de consumidores. Estes, por sua
vez, com suas escolhas de compra e descarte, podem gerar um efeito
multiplicador das boas soluções. Um poder que fica cada vez mais claro nas
dinâmicas sociais existentes.
Há países que já anunciaram o banimento total de
carros movidos a gasolina e diesel nas próximas décadas (como a Alemanha, até
2030 e a Noruega, até 2025). Que reaproveitam e reciclam quase 100% dos
resíduos gerados (Áustria, Alemanha, Bélgica, Holanda e Suíça ultrapassaram a
meta de 50% de reciclagem do lixo urbano estabelecida pela União Européia para
até 2020). Que adotaram a produção de orgânicos como a única permitida em suas
terras (Dinamarca e Butão). Exemplos concretos que incentivarão outros,
conforme exibirem as vantagens alcançadas com estas opções.
O olhar humano acorda para a visão sistêmica da
vida, perdida quando se oprimiu os povos mais ligados à Terra. O termo ‘do
berço ao berço” reflete bem as novas dinâmicas produtivas que as empresas
almejam alcançar. A gestão integrada de territórios, com foco em bacias
hidrográficas e regeneração de rios e nascentes, se alastra e se fortalece. A
abordagem gerencial clássica expandiu-se da busca simples de lucro, para
conceitos complexos como de pagamento por serviços ambientais a quem protege,
preserva e/ou ‘produz’ clima e água; e de responsabilidade socioempresarial de
suas atividades.
Todo o árduo trabalho de criar cidades formou
ambientes suficientes para a população humana no planeta – que já está em
declínio em diversas partes, vale notar. Movimentos como Transitions Towns, Hortelões
Urbanos e Cidades Sustentáveis apontam para modos de vida sustentáveis em
plenas selvas de pedra’. Estes adotam costumes antigos como compostagem,
captação de água de chuva, biodigestores, de forma experimental mas
consistente, para mostrar como tornar as urbes, daqui para frente,
regeneradoras da vida que sua construção destruiu.
A cultura de paz, o cuidar desde um nascimento
humanizado até a aceitação de adultos de todo e qualquer gênero e cores,
passando por uma educação sem violência, anunciam um novo ser humano. Voltado
para a construção do Bem, do Bom e do Belo. Ciente de que sua ‘mão’ (leia-se
suas escolhas diárias) pode criar paraísos ou infernos na Terra.
Estamos cada vez mais próximos, enquanto família
humana, de uma grande mudança de era. Para muitos, que já a vislumbram há anos,
ela pode parecer retida, em um parto arrastado e, por demais, atrasado. Mas
para o Universo, tudo pode estar exatamente no ritmo certo. O que hoje parece
caótico são apenas os esforços derradeiros para dar à luz a uma nova, ou qui çá
antiga e imutável, forma sustentável e equilibrada de vida. Os excessos que
agora vemos são ‘vacinas’ a criar antídotos no novo organismo que se anuncia.
Atacamos hoje os males que não mais desejamos em
nosso DNA.
* Neuza Árbocz é Jornalista e pioneira da
Internet do Brasil. Integrou a equipe que instalou o Yahoo! no Brasil em 1999 e
foi responsável pelo conteúdo editorial do portal por seis anos.
Especializou-se em Educomunicação e Gestão de Projetos Socioambientais. Foi responsável
por Redes Sociais para o grupo internacional Aegis Isobar, de 2008 a 2014.
Formou-se em Design para a Sustentabilidade pelo Gaia Education, educadora
vivencial pelo Sharing Nature Brasil e como agente urbano socioambiental pelo
programa Carta da Terra. Desenvolveu materiais para o ICLEI, o Sebrae e o BID –
Banco Interamericando de Desenvolvimento. Atuou como gerente de Gestão
Integrada de Território – GIT, do Instituto IBIO. Trabalha por um
desenvolvimento local, integrado e sustentável em diversos pontos do Brasil e
dirige projetos de Comunicação e Educacionais para Editora Horizonte. Ministra
palestra sobre Sustentabilidade no Dia a Dia, Leitura crítica da Mídia, e Redes
Sociais e Cidadania Planetária. Colaboradora especial da Envolverde em serviços,
cursos e projetos jornalísticos. Integra a RBJA – Rede Brasileira de
Jornalistas Ambientais e a rede Greenaccord de jornalistas ambientais
internacionais.
Fonte: ENVOLVERDE
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