Está
provado: aquecimento derreteu geleiras.
Por Camila Faria, do OC –
Estudo detecta pela primeira vez impressão digital
inequívoca de mudança climática na perda acelerada de glaciares de montanha;
para cientistas, impacto do clima é “virtualmente certo”.
Uma nova metodologia sugere que o aquecimento
global e suas causas humanas são realmente os grandes responsáveis pelo recuo
de geleiras de montanha durante os séculos 20 e 21. Essas massas de gelo são
fundamentais para o abastecimento de água em várias localidades, como a Bolívia,
que vive sua pior seca em 25 anos e tem boa parte de seu fornecimento
dependente dos Andes, e têm diminuído ao redor do planeta em regiões tão
diversas quanto o Alasca e os trópicos africanos, a Patagônia e a Suíça.
O estudo é importante porque fornece pela primeira
vez uma prova categórica daquela que é uma das consequências previstas mais
imediatas de um planeta mais quente. Embora o elo entre a mudança climática
causada por atividades humanas e o degelo esteja claro há anos, até agora os
modelos computacionais usados para modelar o clima não conseguiam ligar o
derretimento de geleiras individuais ao aquecimento global.
O relatório de avaliação do IPCC, painel do clima
das Nações Unidas, por exemplo, afirmou em 2013 que era “provável” (conceito
que representa cerca de 66% de possibilidade, no linguajar estatístico do IPCC)
que os níveis de degelo monitorados no período tivessem sido de fato causados
por mudanças climáticas.
O estudo da Universidade de Washington (EUA),
publicado no periódico Nature Climate Change e apresentado ontem (12)
durante evento da União Geofísica Americana (AGU), em São Francisco, eleva esse
grau de confiança: o documento afirma que, para quase todas as geleiras
contempladas, a influência de mudanças climáticas no derretimento é de mais de
90%, chegando, na maior parte dos casos estudados, a 99%. Isto equivale, na
terminologia do IPCC, a dizer que é “virtualmente certo” que a causa do
derretimento seja o clima alterado.
A análise do trio de cientistas foi realizada em 37
geleiras ao redor do mundo, com condições geográficas e ambientais diversas.
Destas, 36 tinham 90% ou mais de probabilidade de terem tido seu degelo
influenciado pela mudança climática. Em 21 delas, a chance era de 99%.
O grupo utilizou registros históricos e observação
meteorológica das regiões para comparar variações naturais no tamanho das
geleiras com mudanças observadas nos séculos 20 e 21 e calcular um coeficiente
de variação desses dados. As alterações são então comparadas com um cenário sem
mudanças no clima para calcular a probabilidade de relação de causa.
Geleira em retração em Svalbard, Noruega. Foto:
Claudio Angelo/OC
“Nossa pesquisa demonstra que a diminuição global
de geleiras requer necessariamente uma mudança no clima de duração centenária e
âmbito global”, afirmou ao OC o glaciologista Gerard Roe, pesquisador da
Universidade de Washington e líder do estudo.
“É o estudo de atribuição mais abrangente até hoje
sobre o recuo de geleiras. Esperamos que nosso trabalho possa facilitar
conclusões mais assertivas sobre o tema para a próxima elaboração de relatórios
do IPCC”, afirma.
Estudos de atribuição, como este, buscam estabelecer
as causas mais prováveis para uma mudança ou evento, utilizando os níveis de
confiança estabelecidos pelo IPCC. A técnica incorporada na publicação não
exige o uso de modelos computacionais e pode ser aplicada em qualquer região
que possua um registro de observações suficientemente extenso.
O glaciologista brasileiro Jefferson Simões,
diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, reforça a importância da conclusão dos cientistas: “Os comportamentos das
geleiras é demonstrativo de tendências nas escalas temporais de décadas e a
retração observada ao longo do século 20 é uma resposta às tendências
climáticas do século passado, não uma recuperação dinâmica de quaisquer
condições antecedentes”, explica.
“Materiais midiáticos e educacionais utilizam muito
a figura das geleiras, e nosso trabalho ajuda a fundamentar essa conexão. As
observações que nos ajudam a compreender mudanças climáticas causadas pelo
homem estão além de questionamentos”, pontua Roe, sinalizando também para a
utilização da nova metodologia e suas implicações na formulação e continuidade
de políticas públicas. “Qualquer político possui a responsabilidade moral de
buscar compreender atentamente as informações de milhares de especialistas.
Esse conhecimento não deve ser negado ou minimizado”, conclui.
Fonte: Observatório
do Clima
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