Lei de
licenciamento livra bancos de punição.
Por Claudio Angelo, do OC –
Projeto ressuscita “fast-track” para obras e ameaça
um dos principais instrumentos de combate ao desmatamento ao revogar lei que
prevê corte de crédito a quem operar sem licença.
Um dos principais instrumentos que permitiram ao
governo brasileiro reduzir as taxas de desmatamento encontra-se sob ameaça. E
quem aponta a arma é o próprio governo: um projeto de lei em discussão na Casa
Civil revoga a legislação que embasou as políticas de corte de crédito para
desmatadores, de embargo de propriedades e de corresponsabilização dos bancos
por danos ambientais, que vêm sendo aplicadas com sucesso na Amazônia desde
2008. Caso seja aprovado sem modificações, o projeto poderá dificultar ainda
mais o controle da devastação, que em 2016 cresceu 29% na região amazônica.
O projeto em questão é a Lei Geral do Licenciamento Ambiental,
originalmente proposta pelo Ministério do Meio Ambiente para tentar fazer
frente à série de iniciativas em curso no Congresso para enfraquecer o
licenciamento. Em discussão desde maio, o texto sofreu uma metamorfose após
chegar ao Palácio do Planalto e passar pelo crivo de sucessivos ministérios.
Embora mantenha um dos principais pontos da proposta original – a definição da
localização do empreendimento como principal critério de rigor do licenciamento
–, a lei tornou-se, em alguns aspectos, semelhante a algumas das propostas que
visava suplantar.
A versão à qual o OC teve acesso é datada de 1o de
novembro. Distribuída aos conselheiros do Conama (Conselho Nacional do Meio
Ambiente), ela vem acompanhada de uma crítica do MMA (Ministério do Meio
Ambiente) às modificações feitas no projeto, que, segundo a pasta, trazem
“insegurança jurídica”, “grave retrocesso” ou podem gerar “questionamento da
constitucionalidade”.
Entre as mais importantes está a questão do
crédito. O novo texto revoga o artigo 12 da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei
6.938/1981), que determina que órgãos de financiamento públicos não
podem bancar projetos sem licença ambiental. Esse artigo foi usado pelo MMA em
2007 para embasar o decreto presidencial que
criou a figura do embargo de propriedades com desmatamento ilegal. “Isso foi
determinante para a resolução do Banco Central
[de 2008] que aprovou o não acesso ao crédito rural aos proprietários com áreas
embargadas”, lembra André Lima, secretário do Meio Ambiente do DF e um dos
arquitetos do decreto em 2007.
A partir da resolução do BC e da divulgação da
lista das fazendas embargadas pelo Ibama, o desmatamento passou a cair
consistentemente até 2012. “Aumentou a percepção de risco na Amazônia”, diz
João Paulo Capobianco, ex-secretário-executivo do MMA.
A revogação do artigo 12 é um problema em si, pois
dificulta a fiscalização. Hoje, a falta de licença ambiental é a maneira mais
simples de embargar uma área – já que o desmatamento ilegal, que também gera
embargo, precisa frequentemente de verificação em campo. Mas, sozinha, não
bastaria para tornar nula a figura do embargo. No entanto, ela vem acompanhada,
no texto da nova lei de licenciamento, de um outro artigo, que retira dos
bancos a corresponsabilidade pelos crimes ambientais.
Hoje funciona assim: segundo a Lei de Crimes
Ambientais, de 1998, se um banco público ou privado empresta dinheiro a um
desmatador, ele está sujeito às mesmas punições do desmatador. Em outubro deste
ano, por exemplo, o Ibama e o Ministério Público Federal de Mato Grosso fizeram
uma operação conjunta que terminou com uma multa de R$ 47,5 milhões ao banco
Santander por financiar plantio de milho em áreas desmatadas
ilegalmente no Estado. Se a mudança na Lei Geral do Licenciamento passar,
desaparece a restrição e os bancos poderão financiar desmatamento – e qualquer
outra atividade econômica sem licença ambiental – sem temer punição.
Agricultura em área desmatada de cerrado no Piauí,
região do Mapitoba: agronegócio quer operar sem licença. Foto:
Panoramio/Creative Commons
Isenções
O novo texto também traz de volta a figura do
“fast-track” para licenciamento de obras de interesse do governo. Essa ideia
foi proposta num projeto de lei de 2015 pelo
senador investigado na Lava Jato Romero Jucá (PMDB-RR). Ele defende que
projetos que o chefe do Executivo considere “de interesse nacional” sejam
exonerados do rito completo do licenciamento em favor de um rito sumário.
Na proposta original do MMA para a Lei Geral do
Licenciamento, o prazo da licença prévia para um empreendimento era de até 15
meses. Na versão na Casa Civil, esse prazo cai para oito meses, que poderão ser
reduzidos a quatro no caso de obras “estratégicas”. “O ‘fast-track’ pretendido
gerará insegurança jurídica, pois a redução pela metade dos prazos tornará
inviável o cumprimento de fases como a audiência pública, o que gerará
judicialização”, alerta o ministério.
Outro ponto polêmico é o das isenções de
licenciamento. A bancada ruralista e a CNA (Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil) têm pressionado pela retirada da exigência de licença
ambiental das propriedades rurais. A isenção consta do projeto de lei de licenciamento do
deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), apoiado pelos ruralistas, que pode
ser votado a qualquer momento na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
Segundo Márcio Santilli, cofundador do Instituto
Socioambiental, ganhar a dispensa de licenciamento é o real motivo pelo qual a
poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária anunciou publicamente, em novembro,
que pediria ao presidente Michel Temer a cabeça do ministro do Meio Ambiente,
Sarney Filho (PV-MA), e da presidente do Ibama, Suely Araújo.
O texto da Casa Civil atende em grande parte às
reivindicações do agronegócio: isenta de licença todas as atividades
agropecuárias em “área rural consolidada”, ou seja, desmatada até 2008; e todas
as propriedades com extensão de até 15 módulos fiscais (área que pode chegar a
1.500 hectares em Mato Grosso). E cria outras nove isenções para atividades
econômicas diversas, a pedido de ministérios diversos – de modernização de
aeroportos a sistemas de transmissão de energia.
O MMA pede muita calma nessa hora. O ministério
vinha defendendo a chamada “lista positiva”: o Conama e os conselhos estaduais
de Meio Ambiente definiriam quem precisa de licenciamento e todas as atividades
fora da lista estariam automaticamente dispensadas. “Quanto mais se estender
essa lista [de isenções], maior será a probabilidade de judicialização da
futura lei”, avisa.
O texto da pasta ambiental lembra, ainda, que três
iniciativas estaduais para isentar a agropecuária de licenciamento, na Bahia,
no Mato Grosso, e em Tocantins, foram suspensas pela Justiça.
A Casa Civil afirmou que a minuta do projeto é
fruto de uma construção coletiva entre 13 ministérios, além de Ibama, Iphan,
ICMBio e Fundação Palmares, “tendo sido alcançados avanços significativos a
partir de consensos firmados em grande parte do conteúdo discutido”. A pasta
afirma, ainda, que o texto ainda se encontra em elaboração e, portanto, sujeito
a novas evoluções. “O estágio atual do processo é de ampliação das discussões
que passam a envolver outros atores relevantes, como o Conama, o Congresso
Nacional, entidades associativas dos órgãos ambientais nos estados e nos
municípios, da indústria, dos serviços, entre outros.”
Fonte: Observatório do Clima
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