sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Vida em risco: quase metade dos anfíbios estão fora das áreas de conservação.
*Rafael Magalhães e Reuber Brandão – 

Unidades de conservação, quando bem planejadas e geridas, são a forma mais eficiente de preservar a biodiversidade em seu ambiente natural. Entretanto, de uma maneira geral, a rede global de áreas protegidas é bastante ineficaz. Um exemplo disso é que 42% de todas as espécies de anfíbios estão pobremente representadas ou completamente fora das unidades de conservação, de acordo com estudo publicado em 2015 sobre a situação de conservação desses animais. Esta estatística é ainda mais grave se considerarmos que os anfíbios estão entre os vertebrados mais ameaçados de extinção do planeta.

Para piorar a situação, a maioria das espécies de anfíbios possui baixa capacidade de locomoção. Isso leva a um processo evolutivo chamado de diversificação críptica: quando populações isoladas se tornam diferentes geneticamente, mas são muito parecidas quanto a aparência externa.

Muitas vezes, nem mesmo os pesquisadores são capazes de perceber diferenças evolutivas importantes avaliando apenas as características externas dos animais. Como consequência, essas diferentes populações acabam não sendo contempladas em políticas de conservação, como nos estudos para a criação de unidades de conservação. Mas é importante ressaltar que a manutenção da diversidade genética é essencial para a preservar o potencial de adaptação das espécies frente às mudanças climáticas ou outras mudanças ambientais importantes. A importância desta manutenção funciona da seguinte forma: imagine que a espécie possui duas populações, uma com o conjunto de genes X e outra com o conjunto de genes Y. Se a população com o conjunto X se extinguir, a espécie continua existindo, através da população com genes Y. Entretanto, o conjunto de genes X poderia fornecer à espécie melhores capacidades de enfrentar as mudanças ambientais em curso. A perda deste conjunto de genes, através da extinção, torna a espécie ameaçada no futuro.

Pensando nisso, um grupo de pesquisadores sul-americanos investigou a eficiência das unidades de conservação na proteção de linhagens crípticas de uma espécie de perereca que só existe no Brasil. Esta eficiência foi investigada tanto no presente como em um cenário de mudanças climáticas futuras. A espécie em questão, Pithecopus ayeaye, possui uma inconsistência entre listas nacionais e globais (Lista Vermelha da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, ICMBio, IUCN) que pode ser resultado da forma como os grupos de avaliação interpretam os critérios de classificação das espécies ameaçadas de extinção. Enquanto o grupo de avaliação global adota uma postura precaucionaria na classificação das espécies, o grupo nacional opta por uma postura evidenciaria. Mas, apesar de ainda ser considerada globalmente ameaçada, a espécie não se encontra na lista de prioridades em políticas nacionais de conservação.

Essa perereca pode ser encontrada em campos rupestres, que estão distribuídos em menos de 1% do território brasileiro. Apesar de serem ricos em espécies restritas, os campos rupestres têm sofrido impactos de atividades mineradoras, queimadas induzidas, silvicultura de eucalipto, pecuária, “ecoturismo” não-sustentável e urbanização. Uma das linhagens da Pithecopus ayeaye, que ocorre no planalto de Poços de Caldas (MG), está em declínio e não está protegida por nenhuma unidade de conservação, podendo se extinguir em um curto período de tempo. Outra, que ocorre no Quadrilátero Ferrífero e nos Campos das Vertentes (ambos em Minas Gerais), apesar de estar protegida por três unidades de conservação de proteção integral, possui níveis de diversidade genética tão baixos quanto a linhagem de Poços de Caldas, estando tão vulnerável a impactos humanos quanto ela. A terceira, do Planalto da Canastra (MG) e em áreas altas no noroeste do estado de São Paulo, possui maior diversidade genética do que a das outras duas linhagens e está protegida por duas unidades de conservação de proteção integral. Contudo, mesmo estas unidades de conservação são insuficientes para a proteção da espécie, conservando menos de 4% da área de distribuição geográfica da espécie, tanto no presente como em projeções futuras. Vale ressaltar que a espécie em questão produz substâncias na pele com potencial farmacológico, podendo ser utilizadas para a produção de medicamentos no futuro.

Esses resultados sugerem que outros organismos endêmicos dos campos rupestres, incluindo outras espécies ameaçadas, também podem apresentar diversificação críptica semelhante à de Pithecopus ayeaye. Portanto, pode-se concluir que a conservação de diversas espécies dos campos rupestres (e de outros tipos de ecossistemas naturalmente fragmentados) deve ser planejada com atenção, considerando a distribuição discreta deste ecossistema. A prática de conservação no Brasil deve ser repensada, e novas evidências taxonômicas, moleculares, evolutivas e ecológicas devem ser combinadas ao melhor entendimento da distribuição dos organismos para que possamos ser mais eficientes nas políticas de conservação nacionais.

Rafael Magalhães é biólogo e pesquisador do Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular da Universidade Federal de Minas Gerais.

Reuber Brandão é membro da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, biólogo e professor da Universidade de Brasília.

Este estudo foi apoiado pela Fundação Grupo O Boticário de Proteção à Natureza em 2006 no contexto do projeto “Conservação, ecologia e taxonomia das espécies de Phyllomedusa do grupo hypochondrialis” e pelo Programa de Capacitação em Taxonomia do CNPq/CAPES.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário